Olha as minhas unhas. Nunca mais pintei. Vontade de botar um esmalte vermelho. Ah, pintar pra quê? Não saio de casa há um ano. As pessoas me veem dos ombros pra cima. Posso até aparecer só de blusa e calcinha. Não, nunca fiz isso. Fique tranquilo (nem me imagine só de roupa íntima se me vir por aí em lives ou reuniões).
Por falar em lives, a quantas você assistiu desde o ano passado? E de quantas reuniões online participou? Já notou que, nas reuniões, as pessoas foram adquirindo o hábito de não ligar mais as câmeras? Não vemos o rosto de ninguém, ouvimos apenas a voz. Vai ver que não querem sequer vestir a blusa. É constrangedor conversar com um quadrado com uma ou duas letras. É como uma teleconferência. E eu fico me perguntando: quando retornarmos ao trabalho presencial, compareceremos às reuniões com uma tarja na cara, onde estarão escritas as nossas iniciais?
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Esse menino cheio de expressões, cheio de estilo, veio ao mundo há exatos 24 meses, antes do nascer do sol.
É engraçado. O nosso primeiro encontro foi também a nossa primeira separação. Ele chegou reclamando, mostrando suas vontades. Seu choro ocupou o espaço e foi interrompido assim que nos aproximamos, como se ele quisesse ouvir o que eu tinha a dizer. Eu nada disse. Só senti sua pele na minha, a sensação de ver de perto um rosto que a tecnologia havia nos antecipado. Era a minha primeira vez ali também, numa sala com tanta luz, com tanta gente ao redor, com tanta volta no estômago. Sua chegada mudou a nossa vida, a rotina da casa, fazendo-nos até mudar de casa.
Já se passaram dois anos e, embora pareça que foi ontem, sinto como se o Joaquim estivesse conosco desde sempre. Incorporou-se à família de forma tão natural, que não existiria mais família sem sua presença.
Falei do Joaquim outras vezes aqui, especialmente de como ele e eu compartilhamos o amor pelos livros. Para além disso, ele proporciona a experiência mais mágica que viverei: a oportunidade de presenciar suas descobertas, sua aprendizagem, de influenciá-las também, de ser parte da formação de um sujeito.
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Porque é um enigma perene a razão pela qual nenhuma mulher jamais escreveu qualquer palavra de uma literatura extraordinária quando todo homem, ao que parece, é capaz de uma canção ou de um soneto (Woolf, 2014, p. 63).
O excerto que escolhi para iniciar este texto é parte do livro Um teto todo seu, um ensaio originado de duas palestras que Virginia Woolf concedeu em 1920, em duas faculdades inglesas exclusivas para mulheres. Nelas a autora discute as desigualdades sociais entre mulheres e homens e seu impacto sobre as possibilidades de mulheres se entregarem à atividade de escrita.
Virginia Woolf observa que os homens (mesmo aqueles sem qualificação) escreviam a respeito de mulheres. Já as mulheres que escreviam não falavam sobre os homens, e quase não se encontravam obras escritas por elas.
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Presa em casa
não aguento mais um dia,
nem tanto por me isolar,
às vezes não faz mal
não ter que ver o mundo.
Prefiro esse mundo que vejo
da varanda:
o céu azul,
as nuvens quebrando o monocromático,
os passarinhos no alto
brincando de voar.
Não aguento mesmo
é o mundo lá fora.
Enquanto uns fecham as portas
de casa,
outros se juntam para ir à praia,
à festa,
a monumentos
que jamais se interessaram
em visitar.
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