Na infância, imaginamos os adultos bem-resolvidos, donos de si. Quando chegamos a essa etapa, porém, descobrimos: adulto é, em geral, uma criança que bate cartão, paga boletos e oculta sua infantilidade. Adultos não são imunes ao medo, à insegurança, aos traumas, à ansiedade, à vontade de chorar e espernear de vez em quando.
De tempos em tempos, reflito sobre o caminho que trilhei até aqui e idealizo o que encontrarei logo ali, à frente (não, esse trajeto não consta em GPS e mapas). Olho pelo retrovisor e comparo esta “eu” de hoje com aquelas que fui deixando para trás.
Já encarnei tantas versões. A lembrança de algumas me causa riso ou nostalgia; um punhado delas eu esqueceria de bom grado; outras, eu deveria viajar no tempo para consertar. De todo modo, elas não ficaram para trás de fato; vão no porta-malas, deslocando-se nas curvas, sacolejando nas estradas esburacadas.
Sabemos da importância do convívio entre avós e netos, convívio este que foi afetado pela pandemia, especialmente em 2020. Não é possível generalizar coisa alguma nessa vida, mas essa relação em geral traz benefícios para ambas as partes. Para os mais novos, é a oportunidade de conhecer a origem da família, os costumes de outra época, aprender com a experiência dos mais vividos.
Eu não convivi de perto com todos os meus avós; apenas por um período com a minha avó paterna. E, mesmo assim, mesmo com dificuldades no contato com ela, minhas recordações dos meus avós são positivas. Até os episódios vividos com esta avó, em particular, e sua dureza tornaram-se histórias cheia de graça que conto aos outros; tenho na memória uma mulher resolvida e independente. A casa dos meus avós maternos, já falecidos, onde passei momentos memoráveis, continua sendo “a casa da vó”.
Para celebrar o dia dos avós, o dia 26 de julho, conferi os livros na estante que trazem os avós como personagens principais e descobri que há, no meu acervo, mais obras sobre o tema do que eu imaginava. Um aspecto chama a atenção: entre os cinco títulos que selecionei, quatro trazem avós (mulheres) e apenas um conta a história de um avô.
As cinco histórias que mostrarei a seguir retratam o companheirismo entre avós e netos, as lembranças da casa da vó, os ensinamentos desses familiares tão marcantes na vida dos netos.
Quando grafei as primeiras palavras. Aquele foi o momento em que comecei a escrever, imagino eu. É forte a lembrança de uma menina que dividia seu tempo livre entre a tevê, a escrita e os passeios solitários com o seu cachorro. Lá estava ela com um caderno nas mãos, criando histórias ou redigindo cartas para os seus avós maternos.
Recordo bem: a minha inspiração para inventar histórias vinha das novelas mexicanas. Minha irmã, minha mãe e eu nos sentávamos juntas para ver as peripécias da Maria do Bairro e a vingança da Marimar. Além de nos divertir e emocionar, aquele era um ritual que unia três mulheres em fases diferentes da vida. Eu sonhava em causar aquilo também em outras pessoas, sonhava em ser autora de telenovelas.
Ouvindo o Gonzaguinha pela milésima vez, refleti de novo sobre a letra da música. Meu coração explode quando ele canta: “é tão bonito quando a gente entende que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá”. Emocionada, ponho-me a pensar nas gentes que participaram da minha trajetória, que contribuíram para a formação do meu eu. Quantas histórias se entrelaçaram à minha!
No dia a dia, temos uma sensação de independência, somos adultos afinal, as nossas conquistas são resultado do nosso esforço, da nossa inteligência ou da nossa sorte. Na realidade, não somos tão autossuficientes. Tanta história rolou antes da nossa chegada à Terra, tanta gente lutou, sofreu e morreu para que o mundo fosse como o vemos hoje (não que seja o ideal; poderia ser pior). No campo particular, até nos tornarmos donos do nosso próprio nariz, outros seres humanos nos seguraram, nos guiaram, fizeram as atividades mais básicas em nosso lugar. Mesmo quando já nos consideramos capazes de caminhar com os nossos próprios pés e nos manter vivos sem auxílio, encontramos semelhantes que nos mostram outras formas de ver as coisas ao redor, nos influenciam, nos dão a mão. Carregamos um pouquinho de cada um(a) que cruza o nosso caminho e deixamos um pedacinho de nós por onde passamos.
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