A história da mulher é de ocultamento, seja na cozinha da casa, atrás de um lenço, uma burca ou um vestido, atrás de um pseudônimo masculino, atrás de um dogma, atrás de uma imagem imaculada de mãe.
A história da mulher é de paradoxos. Considerada frágil e perigosa ao mesmo tempo. Ora santa, ora pecadora. Maria gerou o filho de Deus. Eva seduziu Adão. As bruxas foram queimadas na fogueira. E até hoje uma mecha de cabelo feminino intimida a virtude masculina.
Não é contraditório que o mesmo corpo que concebe vidas seja símbolo de tentação? O corpo feminino é usado, controlado, podado, interditado. Quantas regras são impostas a nossos corpos?
Mulher sempre foi tratada como posse. “Minha mulher”, dizem eles. Antes elas quase não tinham escolha, hoje não podem escolher terminar uma relação. Isso pode sentenciar sua morte.
Mulher leva a culpa até quando é vítima. Por que ela não foi embora? Por que retornou? Por que saiu sozinha? Por que vestiu aquela roupa? Por que não disse não? Por que disse sim? Por que não se protegeu? Por que não pediu ajuda? Por que deixou chegar a esse ponto?
A história da mulher é de luta. Nada veio de graça: o voto, o direito de falar, o direito de estudar. Agora, no século XXI, ainda travamos lutas para conquistar mais espaço e para não nos tomarem o que já conquistamos (volta e meia nos ronda essa ameaça, como se tivessem nos concedido apenas um empréstimo). Isso em lugares onde temos direitos. Em uma parte do mundo, as mulheres não têm direito nem a ter direito.
Por isso, não há maior incoerência do que mulher não reconhecer a luta das mulheres que vieram antes e se gabar de um antifeminismo.
Mas agora existem até homens que ensinam outros a serem “homens” ou homens que precisam de coach de masculinidade. Eles põem uma série de condições para se relacionar com uma mulher, alegam uma falsa dominação feminina e pedem a volta do passado, quando sua superioridade era inquestionável.
Simone de Beauvoir já alertou:
[…] ninguém é mais arrogante em relação às mulheres, mais agressivo ou desdenhoso do que o homem que duvida de sua virilidade (p. 26).
Uma coisa é fato: os homens temem as mulheres, sobretudo as insubmissas. Se reconhecêssemos o nosso poder e não nos distraíssemos com ideias que não nos beneficiam, já teríamos derrotado a misoginia. Somos ou não somos maioria? Não somos nós que parimos? Não somos nós que, em geral, educamos as crianças e mantemos as famílias?
Ainda segundo Simone de Beauvoir, estamos dispersas entre os homens, ligadas a eles muito mais do que a outras mulheres. Falta-nos o sentimento de comunidade, a união em torno de interesses comuns. Isso porque, se resolvermos assumir o nosso papel de protagonistas e encerrar a cumplicidade com eles, incomodaremos e correremos o risco de perder as vantagens da aliança com os detentores do poder.
Em regra não desejamos que nos julguem inimigas, as últimas colocadas no ranking das companhias desejáveis. Então talvez seja mais conveniente fazer uma concessão e vestir o estereótipo que nos reservam. Talvez seja mais cômodo ser o objeto, o outro do homem, e se colocar sob sua proteção. Mas quem nos protegerá deles?
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Referência:
Beauvoir, Simone de. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
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