Que é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não nos saímos de nós (p. 41).
Sou uma grande admiradora do estilo de José Saramago, da crítica e da ironia presentes em suas obras. Conheci e recomendo O ensaio sobre a cegueira, A jangada de pedra e O evangelho segundo Jesus Cristo (este último em especial). Sempre que leio algo do autor, sinto-me inspirada a escrever textos que façam rir e pensar de uma vez só. Mesmo assim, ainda não havia comentado livros de Saramago aqui.
Vou explicar o porquê: tive receio de escrever, de maneira simples, sobre um escritor cujos trabalhos rendem análises de estudiosos. Bobagem minha, reconheço, pois todos que me acompanham sabem que não sou especialista em literatura (infelizmente não me formei na área). Sou apenas uma apreciadora de livros, tentando aprender mais sobre leitura e escrita.
Então vamos lá. Vamos espantar daqui a insegurança.
Em O conto da ilha desconhecida, um homem vai pedir um barco ao rei, mas não o faz como todos os que pedem favores no palácio: ele não espera que seu pedido parta da mulher da limpeza e passe por inúmeros secretários e ajudantes até chegar ao soberano e que a resposta faça o caminho contrário, em uma burocracia sem tamanho. Em vez disso, ele exige falar pessoalmente com o rei.
O rei não é muito de aparecer aos súditos, passa todo o tempo sentado à porta dos obséquios e jamais dá as caras na porta das petições. Mas estranha aquela exigência. Também avalia que é mais adequado atender o homem, que já causa confusão na porta, interrompendo a passagem e impedindo o atendimento dos demais suplicantes. Por isso, três dias depois, o rei vai ver o que quer o homem.
No caso que estamos narrando, o resultado da ponderação entre os benefícios e os prejuízos foi ter ido o rei, ao cabo de três dias, e em real pessoa, à porta das petições, para saber o que queria o intrometido que se havia negado a encaminhar o requerimento pelas competentes vias burocráticas (p. 11).
O aparecimento do rei causa um alvoroço geral, exceto no homem que quer pedir o barco, pois ele previa que, uma hora ou outra, o monarca se apresentaria ali.
Ao ouvir que o homem quer um barco para buscar a ilha desconhecida, o rei imagina que está diante de um louco, já que não acredita que ainda existam ilhas desconhecidas. Pensa em chamar os guardas, mas atende ao pedido do homem, dado o clamor das pessoas ao redor.
Quem foi que te disse, rei, que já não há ilhas desconhecidas, Estão todas nos mapas, Nos mapas só estão as ilhas conhecidas, E que ilha desconhecida é essa de que queres ir à procura, Se eu to pudesse dizer, então não seria desconhecida (p. 17).
Agora, realizado seu desejo de ter um barco, o homem verá que isso não é suficiente para sair em viagem. Também reconstruirá sua ideia da ilha desconhecida, esta que ele queria tanto conhecer, como uma forma de conhecer a si mesmo.
O conto da ilha desconhecida é um texto curto, de apenas 64 páginas, que nos dá uma amostra do jeito irônico de José Saramago. Então indico a leitura a todos, principalmente a quem ainda não conheceu as obras do autor. Nesse caso, o conto é uma oportunidade de se familiarizar com a forma única de escrever de Saramago.
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