A bolsa amarela é um livro para crianças e jovens publicado pela primeira vez em 1976. Mesmo assim, apesar de seus 43 anos, podemos dizer que suas reflexões continuam válidas e atuais.
Faz tempo que eu tenho vontade de ser grande e de ser homem. Mas foi só no mês passado que a vontade de escrever deu pra crescer também (p. 10).
Terceiro livro de Lygia Bojunga, A bolsa amarela está em sua 36ª edição. Foi traduzido para diversos idiomas, foi encenado no Brasil, na Bélgica e na Suécia, recebeu o prêmio O melhor para a criança, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) e outros prêmios internacionais.
A autora escreveu mais 22 livros, entre eles O sofá estampado (1980), Feito à mão (1996) e Intramuros (2016), e publica suas obras por meio de uma editora própria, a Casa Lygia Bojunga.
A bolsa amarela conta a história de Raquel, uma menina que se sente meio deslocada na família, que não a escuta ou compreende, como ela mesma relata em uma carta a um amigo inventado:
Quando eu nasci, minhas duas irmãs e meu irmão já tinham mais de dez anos. Fico achando que é por isso que ninguém aqui em casa tem paciência comigo: todo mundo já é grande há muito tempo, menos eu. Não sei quantas vezes ouvi minhas irmãs dizendo: ‘A Raquel nasceu de araque. A Raquel nasceu fora de hora. A Raquel nasceu quando a mamãe não tinha mais condição de ter filho.’. Tô sobrando, André. Já nasci sobrando. É ou não é? […] (p. 11).
Percebendo que criança tem pouca ou nenhuma escolha e que, da mesma forma, as mulheres são impedidas de fazer uma porção de coisas, Raquel tem vontade de ser grande e de ser menino. Ela tem também uma terceira vontade: ser escritora.
Mas, como sua família não é muito aberta às suas vontades e até ri de suas invenções, ela decide esconder as três vontades, para que ninguém as veja. O melhor lugar que encontra é uma bolsa amarela que chega entre os presentes de uma tia e que ninguém da família quer.
Eu tenho que achar um lugar pra esconder minhas vontades. Não digo vontade magra, pequenininha, que nem tomar sorvete a toda hora, dar sumiço da aula de matemática, comprar um sapato novo que eu não aguento mais o meu. Vontade assim todo mundo pode ver, não tô ligando a mínima. Mas as outras — as três que de repente vão crescendo e engordando toda a vida —, ah, essas eu não quero mais mostrar. De jeito nenhum (p. 9).
Na bolsa amarela, ela guarda também outras coisas e amigos secretos, com os quais entra em um mundo de fantasia que a ajuda a lidar com as limitações de menina e com o crescimento daquelas vontades.
O livro cutuca a sociedade daquela época sobre a forma como as crianças em geral são tratadas: sem direito a se expressar, tendo sua privacidade invadida a todo momento, sendo obrigadas a fazer coisas que não querem (e que nem são necessárias), como, por exemplo, comer bacalhau na casa da tia, mesmo não gostando de bacalhau, ou fazer apresentações para entreter os adultos.
— Raquel, canta pro tio Júlio e pra tia Brunilda aquele versinho inglês que você aprendeu na escola. É tão bonitinho (p. 70).
Também chama a atenção para as diferenças na educação entre meninas e meninos, na forma como a sociedade podava as mulheres.
— Tá vendo? Falaram que tanta coisa era coisa só pra garoto, que eu acabei até pensando que o jeito era nascer garoto. […] (p. 126).
Então veio o choque quando constatei que um livro com mais de quatro décadas poderia muito bem se passar por um livro escrito agora, a não ser pelo uso de expressões que entregam sua idade.
Hoje em dia, mesmo que o tratamento destinado às crianças seja diferente e que as mães e os pais se esforcem para prover tudo aos filhos (especialmente em termos materiais), é provável que muitas crianças se sintam como Raquel: incompreendidas, sem direito a ter vontades, silenciadas.
Sobre as mulheres, é sabido que, embora tenhamos alcançado muitos direitos, ainda precisamos vencer grandes obstáculos. Ou não continuamos a escutar por aí que tal coisa é de menino e tal coisa é de menina?
Fora essas reflexões, que são bastante ricas, é uma aventura acompanhar as fantasias e o crescimento de Raquel. Por essa razão, recomendo A bolsa amarela não apenas aos jovens leitores e leitoras, mas a todo mundo que aprecia uma boa leitura.
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