Um dia desses, ao final de nossa leitura diária, meu filho Joaquim começou a chorar. O livro escolhido naquela noite termina com a morte da avó do narrador, apresentada de maneira sutil.
Joaquim tem os quatro avós vivos e nunca perdeu uma pessoa querida. Mesmo assim, se sentiu tocado com a perda do personagem da história. Suponho que, de seu jeito, ele imaginou o quão doloroso aquele episódio foi para o personagem (tomando-o aqui como uma pessoa real) ou como ele próprio se sentiria em sua pele.
Ao entrarmos em contato com a história de outra pessoa (seja uma pessoa de verdade ou uma personagem ficcional), conhecemos uma realidade que pode nos emocionar, ainda que não tenha nada em comum com a nossa.
Por isso, defendo que as crianças conheçam diferentes histórias desde sempre, mesmo aquelas carregadas de temas difíceis.
Eu sei. Nosso impulso é protegê-las de assuntos que consideramos pesados (e, desse modo, nos proteger também de lidar com suas dúvidas). Naquele dia, quando vi Joaquim chorar, tive o ímpeto de consolá-lo e de destacar as lembranças que o menino guardaria da avó, porém não cogitei evitar aquela leitura no futuro. Ele mesmo não fugiu do livro, apesar de já conhecer a história e de ter decifrado sua mensagem por conta própria em nossa primeira leitura, mais de dois anos antes (embora, de vez em quando, ele rejeite sim histórias com finais tristes).
Ana Cláudia Quintana Arantes, no livro A morte é um dia que vale a pena viver, recorda que não estamos preparados para a perda: perda de amores, de dinheiro, do trabalho, da vida etc. Há entre essas, entretanto, uma perda que mais cedo ou mais tarde todo ser humano terá que vivenciar: a perda da vida. Ainda assim, passamos a vida tentando esquecer que a morte chegará.
Se com a maturidade que temos (ou deveríamos ter) na idade adulta, somos tão esquivos quando se fala na morte, não espanta a nossa necessidade de poupar as crianças desse assunto. Isso porque nossa experiência de vida nos lembra o quanto essa perda pode nos machucar.
Tenho visto em minha relação com o Joaquim, no entanto, que as crianças assimilam esse e outros temas com muito mais competência do que imaginamos. Elas o fazem de modo natural, ao contrário da maioria de nós adultos. Além do mais, não podemos protegê-las para sempre da vida real (e infelizmente a vida real é cheia de temas difíceis).
Voltando ao tema da morte, se “o que separa o nascimento da morte é o tempo”, como diz Ana Cláudia Quintana Arantes, um tempo cuja duração não prevemos, não parece adequado preparar as crianças (e a nós mesmos) para a chegada desse futuro inevitável? E, de uma forma geral, não nos cabe orientá-las também em outros aspectos que, muitas vezes, julgamos incompatíveis com a infância?
O que sugiro aqui não é discutir a morte a todo momento e tornar mórbida a nossa casa, tampouco puxar os outros temas difíceis do nada, antecipando-nos às necessidades e à curiosidade das crianças. O que entendo é que precisamos repelir os preconceitos e medos que nos fazem fechar as portas para uma comunicação clara com os pequenos.
Uma maneira de explorar esses assuntos, creio eu, é nos vestirmos da naturalidade das crianças. É dar acesso às informações, responder às perguntas sem alarde, não proibir tema algum (porque os tabus têm o poder de estimular a curiosidade), pesquisar junto com elas o que não se sabe e, é claro, contar com a literatura para ajudar a dar sentido às coisas.
Deixe seu comentário