13 de agosto de 2024

1 Comentário

Gratiluz

Ivan Ilitch vive uma vida normal e bem-sucedida do ponto de vista da sociedade: tem um bom emprego e uma família. Então vai seguindo até perceber que talvez sua vida não seja tão feliz. Em vez de reclamar ou tentar mudar o seu destino, entretanto, ele escolhe se acomodar e se entregar ao trabalho, o seu escape.

Isso muda quando é acometido de uma doença mortal, de uma dor lancinante, que vem e traz a solidão, o medo da partida. Ao contrário do que se espera, sua família e seus amigos lhe viram as costas — sua esposa chega a torcer por sua morte. Com isso, ele começa a se questionar sobre sua existência: fez o que era certo, mas será que viveu como deveria ter vivido?

Tenho pensado (já há um bom tempo) a respeito desse aspecto: a vida é isso mesmo? Ou há algo mais a ser vivido? Esse questionamento, por vezes, se interrompe quando encontra a ideia de que não devo reclamar; devo ser grata pelo que tenho, por tudo o que me acontece (até pelos fatos negativos).

Não estou de acordo com essa gratidão cega, com a positividade incansável. Mesmo assim ainda me pego culpada.

Concordo que devo agradecer o que tenho e reconhecer que existem por aí milhões (ou bilhões) de pessoas que não têm nada parecido. Só não me filio ao pacto da não reclamação. Se eu me conformo, me convenço de que nada precisa de reparo e assim nunca me esforçarei para me mover de onde me encontro. O que me restará é me sentar “no trono de um apartamento com a boca cheia de dentes, esperando a morte chegar”, como dizia Raul Seixas. Nós, seres humanos, necessitamos de novos objetivos.

Por outro lado, não sou a favor de nunca se contentar com o que se tem, como se fosse proibido permanecer em um mesmo lugar por muito tempo.

Acredito que há uma distorção na noção de felicidade. Uma corrente prega: “vá, se mexa, você precisa ir em busca dos seus sonhos, se esforce, trabalhe enquanto eles dormem”. Do lado oposto, dizem-nos: “agradeça, você está viva, há gente em situação bem pior que a sua”. E nós ficamos no meio: “eu devo ir ou devo ficar?”.

Em nenhum caminho encontramos a felicidade tão almejada. Felicidade não é sinônimo de alegria e pode haver dias em que não nos sentiremos tão satisfeitos.

Talvez ficar seja mais realizador do que buscar aquilo que os outros ditam como sucesso. Só que o apelo à gratidão pode ser uma estratégia para nos fazer aceitar qualquer desrespeito, qualquer injustiça, qualquer perda de direitos. Afinal, como alguém vai reclamar de trabalhar algumas horinhas a mais enquanto tantas pessoas nem emprego têm? E aí nivelam por baixo: “vamos diminuir os direitos aqui para igualar”, em vez de aumentar o lado em desvantagem.

Tudo me parece uma estratégia para nos pacificar, nos tornar seres acríticos. Vamos agradecer a Deus e colocar tudo em suas mãos para que Ele decida o nosso destino.

Ao contrário do que se prega, porém, o destino não está posto, como nos explica Paulo Freire, o destino somos nós mesmos que construímos.

Qual é a minha conclusão então? Sem perder de vista as condições sociais do próximo, creio eu, cada pessoa precisa encontrar o equilíbrio e se conhecer: o que eu quero? Do que preciso? Isso vem de mim ou a sociedade me impõe? O que eu desejo é realista e a busca vai me trazer alegria ou sofrimento? O que eu desejo, de alguma forma, fere o direito de outra pessoa ou aumenta o abismo social?

confira esses posts relacionados

Deixe seu comentário

1 Comentário

  • Ana Luiza
    02 setembro, 2024

    Muito legítima essa reflexão, Eri.
    Como vc, também não gosto das respostas prontas e nem das receitas que valem pra todos os casos.
    Entendo que somos seres muito suscetíveis a sentirmos sempre que nos falta algo. E na sociedade de consumo em que vivemos, muitas vezes acreditamos, equivocadamente, que preencher essa falta significa comprar coisas ou produzir mais, se reinventar sempre, assumir novos desafios sem descanso.
    Mas estar em movimento é saudável. Muitas vezes nos ajuda a sermos humanos melhores
    Então, tendo todas essas coisas em vista, é preciso estar atento às suas necessidades. Como vc escreveu bem, encontrar o equilibrio. Buscando o que é bom, é belo e é justo consigo mesmo e com os outros.
    Foi muito bom voltar aqui depois de um tempo sem te visitar. Obrigada, amiga querida! ❤️

  • © 2024 Histórias em MimDesenvolvido com por