Revi essa foto na casa dos meus pais dias atrás, uma foto impressa, do tempo em que revelávamos nossas fotografias e as guardávamos em álbuns de papel.
Essa imagem desbloqueou a memória da infância e pré-adolescência. Por isso, tirei uma foto da foto para guardar comigo, no meu arquivo eletrônico.
Esse aí, todo posudo, era o meu melhor amigo daquela etapa da vida — e isso não é mero clichê. Ele era quem me acompanhava em passeios pelas ruas do bairro, em brincadeiras solitárias.
Olhando em retrospecto, eu era uma criança introvertida (não que isso tenha mudado tanto com o tempo). A diferença de quatro anos entre minha irmã e eu quase sempre nos colocou em fases diferentes, com interesses diferentes, à medida em que crescíamos. E meus maiores interesses ficavam circunscritos ao espaço da casa (tevê e criação de histórias) ou das proximidades (leitura de textos bíblicos na missa semanal e passeios com ele).
Ele e eu vivíamos tão grudados que a corrente com a qual o guiava arranhava as dobras das minhas pernas. Minha mãe sempre apontava isso: que eu ficaria com as pernas marcadas. E elas ficavam mesmo. Toda remendada com arame, a corrente de ferro começava a ser tomada pela ferrugem. Sorte que não contraí tétano.
Ele era apegado à família inteira. À noite, quando nos sentávamos diante da porta de casa para fugir do calor e conversar, ele reclamava lá de dentro, exigindo se juntar ao grupo. Uma vizinha costumava repetir: “esse cachorro tem vontade de ser gente”.
Ele era mimado para um cachorro daquele tempo, embora não frequentasse o veterinário nem o PET shop e se alimentasse da mesma comida que os humanos. Dizíamos que faltava falar.
O seu nome, porém, não o representava de maneira justa. Seu nome era Rex, comum demais para um animal único.
Rex veio conosco no caminhão de mudança de Teresina a Brasília, latindo na carroceria, dormindo ao nosso lado à noite, nosso companheiro e vigia. Nas paradas para as refeições nos revezávamos para lhe dar atenção e alimento.
O bichinho viveu por mais alguns anos depois de nossa chegada. Morreu cego, tropeçando nos móveis da casa. O primeiro e último veterinário que o examinou na vida diagnosticou hepatite (doença que, até então, nem sabíamos que acometia cachorros).
Partiu deixando lembranças de sua amizade, marcas mais profundas do que aquelas em minhas pernas.
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