Como seria um mundo em que só existissem mulheres? Foi isso que Charlotte Perkins Gilman imaginou ao criar Terra das Mulheres, romance utópico publicado originalmente em 1915.
Charlotte Perkins Gilman nasceu em 1860, nos Estados Unidos, foi feminista, sufragista, socióloga. Um dos seus trabalhos mais conhecidos é O papel de parede amarelo, conto lançado em 1892.
Terra das Mulheres é narrado por um homem que, junto com dois amigos, visita o país habitado unicamente por mulheres, um lugar organizado, limpo, sem violência ou doenças. Primeiros homens a pisar no local após dois mil anos, os três americanos inicialmente não acreditam que aquela terra seja exclusiva de pessoas do sexo feminino, uma vez que, em sua concepção, elas não teriam condições de levantar construções tão imponentes, nem de se organizar e se governar sem homens, ainda mais em tamanha harmonia (mulheres são competitivas por natureza, eles julgam).
As mulheres da Terra das Mulheres, no entanto, são o oposto daquelas que eles conheciam (ou dos estereótipos que carregam consigo): são inteligentes, fortes e corajosas e se desenvolveram ao ponto de gerarem filhas de forma espontânea.
Elas nascem e vivem para ser mães, embora o seu conceito de mãe seja único. Não há um sentimento de posse sobre as filhas. As crianças são o centro do país e são educadas pelas mulheres de forma coletiva, por meio de um sistema avançado de ensino.
Independentes, as donas da casa se espantam ao saberem da submissão em que vivem suas correspondentes no país dos visitantes ou em outras sociedades. Do mesmo modo, não compreendem os males próprios dessas nações, como a pobreza e a desigualdade social.
Por ter sido inventada no início do século XX, a premissa do texto me pareceu bastante ousada (talvez até para os dias atuais). Porém, a despeito das limitações históricas, alguns pontos me incomodaram ao olhar com os olhos de hoje.
De tanto exercerem atividades que comumente são associadas aos homens, as mulheres adquirem corpos masculinos e até suas vestimentas são feitas levando-se em conta apenas sua funcionalidade (o narrador reitera que as suas anfitriãs são pouco atraentes e não se assemelham a mulheres de verdade).
Decerto, a ideia da autora foi ressaltar a construção social dos papéis de gênero. No entanto, me pareceu contraproducente sugerir que as mulheres precisam se tornar (quase) homens para realizar aquelas atividades.
Achei um tanto contraditório também que as mulheres se diminuam ao compararem a sua sociedade com a dos homens e queiram retomar a experiência dos dois gêneros. Para quê? O que lhes falta em seu país, se ali formaram uma comunidade perfeita e não dependem de homens nem mesmo para gerar suas filhas, se eles não lhes interessam romântica ou sexualmente?
A centralidade da maternidade em suas vidas é outro aspecto que não combina com o estágio de desenvolvimento, intelectualidade e autonomia que as mulheres daquela terra alcançaram, mesmo que vejam essa função mais como um dever coletivo do que como um propósito individual.
Há ainda certa ojeriza ao sexo, como se esse ato causasse os problemas do mundo. O segredo da perfeição daquela terra isolada se encontra justamente na castidade. As mulheres dali não precisam dos homens, só conhecem a relação homem-mulher de seus registros históricos e não se sentem atraídas umas pelas outras — e isso as diferencia das mulheres dos demais povos.
Por outro lado, o livro nos traz reflexões que são válidas mesmo na atualidade: a crítica à sociedade centrada no sexo masculino, a confiança na capacidade das mulheres quando não subjugadas pelos homens, a impossibilidade da coexistência de privilégios e igualdade. O próprio narrador-protagonista reflete a respeito deste último ponto ao se sentir dividido entre voltar para sua terra natal, onde é superior, ou viver na Terra das Mulheres, onde não tem mais valor do que ninguém, mas pode experimentar uma sociedade altamente desenvolvida e igualitária.
Terra das Mulheres é uma obra de fácil compreensão, que pode ser lida em pouco tempo. Apesar das contradições, o enredo é, de modo geral, coerente, e os questionamentos das mulheres aos homens a respeito da tradição de seu país, em especial, se infundem no pensamento do leitor ou da leitora.
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