Roía-lhe, contudo, ter esse monstro brutal se mexendo dentro dela! […] nunca estar inteiramente contente, ou inteiramente segura, pois a qualquer momento a fera podia estar se mexendo, esse ódio que, especialmente desde a sua doença, tinha o poder de fazê-la sentir-se arranhada, ferida na espinha […] (p. 14).
Você já se pegou diante de um livro clássico, de um autor ou de uma autora renomada, com medo até de abri-lo, receando não compreender a grandeza daquela obra?
Eu me sinto assim às vezes e me senti em relação a Mrs Dalloway, que comprei há pouco mais de três anos e só agora abri, folheei e li. Até então, havia chegado à segunda folha e escrito meu nome, acompanhado da data em que o tive nas mãos pela primeira vez: 24/8/2017.
A razão de toda essa cautela, creio eu, está no fato de essa ser a obra mais famosa de Virginia Woolf, uma referência na literatura mundial. Abriu minha mente ler seus ensaios acerca das dificuldades que as mulheres enfrentam para escrever, mas ainda não conhecia sua ficção.
Confesso, decepcionada, que meu encantamento não foi tão grande quanto esperava e desejava (acho que estou com problemas em relação aos clássicos nos últimos tempos).
O romance todo se passa em um dia. O cenário é Londres dos anos 1923. Clarissa Dalloway sai para comprar flores para um jantar que oferecerá em sua casa naquela noite. Enquanto ela faz o trajeto e, mais tarde, na festa em sua casa, outras histórias paralelas são contadas, incluindo a de um ex-namorado e a de uma amiga. Aparecem sua filha Elizabeth, seu esposo Richard e outros personagens do círculo social do casal Dalloway.
Com uma inteligência que era o dobro da dele, [Clarissa] era obrigada a ver as coisas através dos olhos dele – uma das tragédias da vida de casada (p. 78).
Uma das histórias é a de um homem chamado Septimus e sua esposa Lucrezia. Clarissa passa pelo casal, mas não o conhece e não interage com os dois. Septimus é deprimido e pensa em se matar, e a esposa busca ajuda para ele junto a especialistas.
A trama envolvendo Clarissa, o esposo e os amigos é um tanto enfadonha; aborda os “dramas” cotidianos da classe alta inglesa do começo do século XX, que não me parecem tão relevantes a ponto de se tornarem o tema de um romance. A história mais interessante é a de Septimus.
O que não se pode negar ao ler Mrs Dalloway é que Virginia Woolf se dedicou à escrita dessa obra. Virginia intercala as falas do narrador com as reflexões e os diálogos dos personagens, tornando-os uma coisa única e, ao mesmo tempo, delimitados, fazendo-nos adentrar no pensamento dos personagens ou do narrador.
Ela espalmou a mão à sua frente. Olha! Sua aliança escorregou – ela tinha ficado tão magra. Quem sofria era ela – mas não tinha ninguém para quem contar (p. 25).
É de bagunçar a cabeça, eu sei. Somente com a leitura do livro pode-se entender como se desenrola essa construção do texto. E talvez eu não tenha compreendido coisa alguma ao final, mas me inspirei a me arriscar nesse estilo.
No curso Escrita Literária, Marcelino Freire diz que os escritores iniciantes naturalmente – às vezes sem consciência – imitam o estilo de outros escritores ou de outras escritoras. Isso ajuda os menos experientes a criarem seu próprio estilo. Aos poucos, vão juntando essas referências e influências e criando sua forma característica de escrever.
Eu, que estou aprendendo a escrever e trabalhando para encontrar o meu estilo, sou seduzida por produções literárias que se diferenciam do usual, ao menos em um ou outro aspecto. Ao terminar a leitura, me sinto estimulada a criar, a refazer o que já escrevi, a inovar.
Em uma rápida pesquisa na internet, não localizei qualquer crítica negativa a Mrs Dalloway. Isso só reforça o que vez ou outra esclareço por aqui: uma opinião sobre livros é pessoal (como qualquer opinião) e pode não corresponder aos diversos pontos de vista possíveis. No campo das opiniões, ninguém tem a verdade absoluta, ainda mais quando se trata de um objeto cujo significado se forma a partir da nossa experiência de vida, do nosso modo de ver o mundo, dos nossos gostos pessoais, da nossa capacidade de compreensão, do nosso estado de ânimo no momento da leitura. Digo isso tudo para reiterar que ninguém deve se basear apenas no que pensam os outros quando se trata de livros; para saber de verdade como um livro é, o jeito mais eficaz é ler e experimentar o efeito que ele causará em nós.
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