18 de março de 2021

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Personagens femininas unidas

Quem já não viu livros, filmes e séries repletos de mulheres rivalizando, disputando poder e (em especial) homens? Eu já vi. Quando me deparo com mulheres na ficção fazendo o contrário, até me surpreendo.

Mas a ficção imita a vida. Diz-se por aí que as mulheres não confiam umas nas outras e são competitivas entre si (enquanto os homens seriam protetores uns dos outros). Talvez essa afirmação não seja de todo mentirosa. Acontece que, por mais que sejamos criadas para nos odiar, é entre as nossas iguais (ou parecidas) que podemos encontrar as nossas maiores aliadas.

Tenho experimentado isso nos últimos anos. Estou (ou estive) rodeada de mulheres que se admiram, se apoiam, se protegem, se impulsionam a ser melhores: Aline, Ana, Andréa, Brisa, Claudinha, Eliete, Sâmella… Com essas mulheres, conheci outros jeitos de ser e de pensar. Foi com elas que pude contar nos momentos mais desafiadores. Aprendi e cresci tanto no convívio com elas que comecei a descobrir o meu próprio lugar no mundo.

Em homenagem a essas mulheres, fui buscar nos livros exemplos de personagens femininas que encontram afeto, compreensão e parceria em outras mulheres.

Atenção! Os relatos abaixo contêm detalhes das histórias. Só prossiga se tiver lido as obras ou se não tiver problema com spoilers.

1. Rachel, Bela e Sônia

Às vezes, quando [Bela] saía para passear com Rachel e Sônia ao pôr do sol, elas viam aquela bola ardente a caminho do mar (p. 107).

Em Uma noite, Markovitch, romance da israelense Ayelet Gundar-Goshen, acompanhamos a amizade que nasce entre três mulheres de personalidades e histórias de vida distintas em um colônia na Palestina.

Rachel é uma mulher introvertida e melancólica. Austríaca, muda-se sozinha para a Palestina. Parada no porto de Haifa, sem ninguém para recebê-la, quem a encontra é um açougueiro com fama de já ter usado seus instrumentos de trabalho para matar pessoas. Ele a leva para casa e se casa com ela.

No início, Rachel escapa de casa de vez em quando e se encontra com Zeev Feinberg, o amor da vida de Sônia.

Sônia é palestina, apaixonada e tão expansiva que até seu corpo exala um aroma de laranjas. Passa meses à espera de seu amado na beira do mar quando ele parte em viagem.

A terceira mulher é Bela, que se casa com Iaakov Markovitch para fugir da Europa tomada pelo nazismo. Desde então, passa a vida em guerra com um homem que não ama e que não a deixa ir embora.

É exatamente por causa da situação desta última que as três mulheres se unem. Primeiramente, Sônia, junto com Feinberg, ajudando-a em relação ao comportamento do esposo e trazendo presentes para Bela; depois Rachel com a oferta de estudarem hebraico juntas.

Pela primeira vez na vida ela [Bela] tinha amigas (p. 103).

Uma das partes mais bonitas da história (e ela tem muitas) é quando Bela põe a mão no fogo para resgatar o diário de Rachel e resolve traduzir para o hebraico os poemas que a amiga escreveu ali em alemão.

2. Renée e Paloma

Em A elegância do ouriço, de Muriel Barbery, vemos duas personagens femininas de gerações distantes (e sem parentesco entre si) em uma relação inusitada. Pois o que podem ter em comum uma adolescente residente em um bairro elegante de Paris e uma zeladora de meia-idade?

Essas são Renée (ou sra. Michel), uma mulher culta, meio rabugenta e solitária de 54 anos e Paloma, uma menina de doze anos, pensativa e mal-humorada, que detesta a própria família.

Tornei-me a amiga de uma bela alma de doze anos pela qual sinto gratidão, e a incongruência desse afeto assimétrico de idade, de condição e de circunstâncias não consegue estragar minha emoção (p. 309).

Mesmo antes de um contato íntimo, uma enxerga na outra aspectos que a diferencia das demais pessoas em volta, aspectos que as unem e que poucos conseguem enxergar.

Pergunto-me se não deixei alguma coisa escapar. Um pouco como alguém que teria más amizades e descobrisse outra via ao encontrar alguém bom. […] Mas hoje realmente encontrei alguém bom (p. 310).

Apesar dos anos e da posição social que as separam, Paloma e Renée são muito parecidas (almas-gêmeas): duas mulheres cansadas da sociedade em que vivem, que escondem do mundo quem realmente são. As duas se reconhecem uma na outra e, com sua amizade, vislumbram um sentido para a vida.

3. Anne e Diana

Anne, a personagem principal de Anne de Green Gables, de Lucy Maud Montgomery, é uma menina sensível e cheia de imaginação. Ao ser adotada pelos irmãos Cuthbert, ela causa espanto em muita gente, mas também faz amizades verdadeiras.

— […] Durante toda a minha vida, sonhei em encontrar essa amiga [do peito]. Nunca acreditei que realmente fosse encontrá-la, mas tantos dos meus sonhos adoráveis se realizaram de repente que talvez esse também se torne realidade. […] (p. 64).

Quando lhe falam sobre Diana, uma menina com uma vida totalmente diferente da sua, Anne fica ansiosa para conhecê-la. Sonhava tanto em ter uma amiga e espera que isso finalmente vá acontecer ali, em Green Gables.

— Oh, Marilla, a senhora também estaria perturbada se estivesse prestes a conhecer uma menina que você espera que seja sua amiga do peito, e cuja mãe pode não gostar da senhora — ela falou, enquanto corria para pegar seu chapéu (p. 93).

De cara, Anne enxerga na outra menina uma amiga do peito e cria com ela um forte laço. Em pouco tempo de conversa, as duas juram ser amigas para sempre. As meninas vão estar quase sempre juntas, brincando, conversando, se ajudando. Anne ganha mais uma alma irmã e ensina Diana a ser mais imaginativa.


***

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2 Comentários

  • Ana Luiza
    18 março, 2021

    Ameeei esse texto, Eri!
    Como você, também tenho experimentado a delícia de ser apoiada e protegida por mulheres, com as quais posso contar nos momentos mais difíceis e nas horas de alegria. Companheiras que torcem por mim e me ajudam a descobrir e a criar meu próprio lugar no mundo. E você certamente é uma delas. Obrigada por dançar comigo nessa roda!

    • Eriane Dantas
      30 março, 2021

      Obrigada, Ana!
      É uma honra ter você como minha parceira nessa dança. 🙂

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