Já de madrugada, um cortejo de nuvens escuras como dedos longuíssimos começou a pairar no céu. Por fim, sufocaram a lua (p 229).
É interessante o título desse romance. Não se pode dizer que ele fale de nada ou seja nada. Escrito pela espanhola Carmen Laforet em 1943, com apenas 23 anos de idade, Nada não dá mostras de ter sido fruto da mente de uma jovem, de uma escritora imatura. Foi vencedor da primeira edição do Prêmio Nadal, se tornou um clássico e é considerado uma das obras em língua espanhola mais importantes do século XX.
Recebi a obra no kit da Tag Livros em novembro de 2018 e ainda não a tinha lido. Ela já estava incluída na minha lista de leitura de 2021 quando assisti à minissérie A desordem que ficou, na Netflix, e vi a protagonista com o livro nas mãos. Fiquei curiosa para ler e, por isso, o escolhi para começar as leituras do ano.
A história é narrada pela adolescente Andrea, que, órfã, deixa a casa da prima no campo para morar na casa da avó materna em Barcelona, onde pretende estudar letras na universidade.
A época é o pós-Guerra Civil Espanhola, e Andrea vê se desfazerem suas lembranças infantis da cidade e da família. Encontra os familiares (avó, tios, a esposa de um dos tios e seu filho) vivendo em uma residência suja e miserável.
A narração dos momentos de convívio da família é tão clara que quase pude me ver lá, assistindo a tudo. As brigas e confusões por qualquer motivo, que explodem do nada, são um pouco sufocantes (como alguém conseguiria viver em um ambiente tão tóxico?). Chegam até a ser sem sentido. São os efeitos da guerra na vida particular.
Muitas vezes, em meio àquela gente da rua Aribau, me surpreendi com o aspecto de tragédia que os fatos mais insignificantes adquiriam, embora cada um daqueles seres levasse dentro de si um peso, uma obsessão real, a que poucas vezes aludia diretamente (p. 69).
Andréa acompanha tudo como espectadora. Tem seus desvarios, chega a passar mal algumas vezes, muito mais por falta de alimentação do que pela loucura da família. Somente uma vez ela se descontrola como os outros, o que ela própria e a avó estranham.
Andrea tenta se afastar daquela família que não lhe dá qualquer orgulho, não quer que os colegas da universidade conheçam suas condições de vida, apesar de elas estarem estampadas em suas roupas e nos seus sapatos. A garota não se encaixa entre os colegas ricos nem entre os familiares. Também se move com independência, não seguindo o que se esperava de uma mulher à época.
[…] Tive um desses momentos de desalento e vergonha, tão frequentes quando se é jovem, ao me sentir eu mesma malvestida, cheirando a água sanitária e a sabão de cozinha, junto à roupa de corte impecável de Ena e do suave perfume do seu cabelo (p. 63).
A obra é marcante. Li suas 279 páginas em menos de uma semana. Certas passagens me causaram incômodo, uma sensação de inverossimilhança, como um diálogo entre Andrea e seu tio Román. Em outros momentos, no entanto, fiquei tentada a seguir para o próximo capítulo, mesmo já tendo avançado a madrugada.
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