A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá dois momentos distintos. O primeiro em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se, na práxis, com a sua transformação; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação (p. 57).
Queria ter trazido Pedagogia do oprimido ainda no mês das professoras e dos professores, mas não importa o (pequeno) atraso. A principal obra de Paulo Freire pode ser lida em qualquer época. Aliás, na minha opinião, essa é uma leitura indispensável a toda pessoa interessada na transformação do mundo (e não só aos educadores).
Pedagogia do oprimido não é um livro fácil, de rápida compreensão. Ele traz referências e conceitos diversos que precisam de mais de uma leitura para serem alcançados. Talvez por isso eu não tenha visto toda a riqueza dessa obra quando li um ou dois de seus capítulos durante a graduação.
Hoje apresento aqui uma síntese das principais ideias que captei na minha recente leitura do livro.
Medo da liberdade
Paulo Freire inicia Pedagogia do oprimido falando sobre o medo da liberdade, um medo de que não tem consciência quem o possui. No caso dos opressores, há até aqueles que se dizem a favor da liberdade, mas buscam qualquer justificativa para negá-la aos oprimidos. Seu temor é, na verdade, comprometer seu status quo.
No caso dos oprimidos, que pensam e se comportam de acordo com o que lhes prescrevem os opressores, a liberdade significaria substituir a prescrição dos opressores por outro conteúdo — e este conteúdo seria elaborado pelos próprios oprimidos, agora autônomos.
Em resumo, um sujeito teme a liberdade porque prefere a estabilidade (mesmo que desfavorável) a uma liberdade arriscada, a uma situação à qual não se sente preparado.
Contradição opressor-oprimido
Os opressores agem sobre os oprimidos impondo-lhes sua consciência, suas ideias, suas vontades. Exploram, violentam, desumanizam os outros e, ao mesmo tempo, se desumanizam nessa desumanização.
Os oprimidos, por sua vez, hospedam os opressores em si mesmos, já não se veem como sujeitos da sua própria história, dos acontecimentos do mundo, muitas vezes acreditando (sendo levados a acreditar) no destino ou na vontade de Deus como explicação para sua miséria, para seu sofrimento, para as injustiças de que são vítimas. Também podem se identificar com os opressores, querendo se tornar iguais a eles, atraídos por seu padrão de vida.
Superação da contradição opressor-oprimido
De acordo com Freire, não se pode esperar que a superação da contradição entre opressores e oprimidos parta dos opressores. Isso porque estes usam seu poder para oprimir, explorar e violentar e não poderiam empregar esse mesmo poder na libertação. Além disso, os opressores em geral não têm interesse na alteração de sua situação confortável (até porque, para muitos, a manutenção das injustiças e da desigualdade lhes garante a possibilidade de mostrar uma imagem de generosidade).
A grande generosidade está em lutar para que, cada vez mais, estas mãos, sejam de homens ou de povos, se estendam menos em gestos de súplica. Súplica de humildes a poderosos. E se vão fazendo, cada vez mais, mãos humanas, que trabalhem e transformem o mundo. Este ensinamento e este aprendizado têm de partir, porém, dos ‘condenados da terra’, dos oprimidos, dos esfarrapados do mundo e dos que com eles se solidarizem (p. 42).
A superação da opressão deve se originar, portanto, nos oprimidos, que podem compreender como ninguém o significado e os efeitos da opressão e a urgência da libertação. Mas, para se libertarem, não basta que se reconheçam oprimidos ou em contradição com os opressores. É preciso que entendam a necessidade de lutar pela libertação e se entreguem à práxis libertadora (que envolve reflexão e ação). Nessa luta pela libertação, diz Paulo Freire, um ato de amor que se oporá ao desamor da opressão, os oprimidos libertarão também os opressores.
Porém, Freire alerta, não existe superação real da contradição opressor-oprimido quando há apenas troca de lugares ou quando os oprimidos se tornam opressores de outros sujeitos. E pode ser que, mesmo havendo uma superação autêntica, os antigos opressores se enxerguem oprimidos, pois o afastamento de seu “direito” de oprimir os demais pode significar para eles opressão.
Educação bancária
A educação bancária, um conceito muito conhecido de Paulo Freire, se refere a uma prática de ensino que reproduz a sociedade opressora, em que o educador se coloca em posição superior, de dono do saber — um saber que ele transfere, deposita nos educandos.
Aos educandos, os recipientes, não resta outra coisa a não ser arquivar os depósitos, memorizá-los, sem qualquer possibilidade de pensar autenticamente e de criar. Só lhes resta se adaptar.
Na medida em que esta visão “bancária” anula o poder criador dos educandos ou o minimiza, estimulando sua ingenuidade e não sua criticidade, satisfaz aos interesses dos opressores: para estes, o fundamental não é o desnudamento do mundo, a sua transformação (p. 83).
É importante destacar que nem todos os educadores que praticam a educação bancária sabem que estão a seu serviço, já que também são fruto dessa mesma concepção de educação.
Dialogicidade
É no diálogo que os seres humanos se encontram e se reconhecem seres humanos. É no diálogo que conquistam o mundo e se libertam a si mesmos e uns aos outros. Assim, sendo o diálogo uma atividade tipicamente humana, nenhum ser humano é o dono da palavra, da mesma forma que nenhum ser humano pode ser proibido de pronunciá-la.
O diálogo verdadeiro não é a transferência de conceitos de um sujeito a outro, nem a troca vazia de ideias, tampouco uma discussão para se saber quem tem razão ou para um indivíduo conquistar o outro. “É um ato de criação” (p. 110). Só há diálogo quando existe amor ao mundo e aos homens, quando existe humildade e fé na capacidade das mulheres e dos homens.
Educação dialógica e libertadora
Esse tipo de prática educativa se fundamenta em uma relação horizontal entre educador e educandos, superando a contradição entre os dois. Nesse contexto, educadores e educandos, por meio do diálogo e em comunhão, se tornam educadores-educandos e educandos-educadores, mediados pelo mundo.
[…] o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa […] (p. 96).
Não se trata, porém, de excluir a autoridade do educador, mas de reconhecer que o verdadeiro ato educativo, que não sirva à alienação — e sim à libertação —, não pode ser feito com base na transferência de conhecimentos. A educação libertadora se funda no diálogo e na prática reflexiva e transformadora.
Homem inconcluso
Os seres humanos são seres inacabados (seres que “estão sendo”) vivendo uma realidade histórica — e, portanto, também inacabada — e têm consciência de sua inconclusão. Homens e mulheres estão sempre em busca do “ser mais”.
Isso quer dizer que, seja qual for a fase da nossa vida, não devemos imaginar que chegamos ao seu fim. Sempre haverá um caminho a percorrer, uma descoberta. Estamos sempre em movimento, sempre em transformação, em um mundo que também não é estático.
É nesse contexto que se insere a educação permanente, que não deve ser uma educação que acomoda, mas uma educação que destaca e estimula a mudança.
Relação entre homem e mundo
Os seres humanos são sujeitos ativos no mundo. Ao contrário da ação dos outros animais, a ação humana implica criação, reflexão e transformação, mas isso só se faz em comunhão. E é em sua relação com o mundo e com os outros, a partir de propósitos que criam para si mesmos, que os humanos exercem sua existência histórica (que vai além de apenas viver).
O mundo não existe sem mulheres e homens, da mesma forma que não existem mulheres e homens sem mundo. Daí advém um entendimento de que todos deveríamos ter consciência: se o mundo é feito pelos humanos, somos nós também os responsáveis pelas injustiças, pela violência, pela desigualdade, pela miséria, cabendo a nós (e somente a nós) transformar essa situação.
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