Atenciosas ou indiferentes. Rígidas ou permissivas. Democráticas ou autoritárias. Cada um de nós teve inumeráveis professoras ou professores, de diferentes personalidades e estilos, seja na educação infantil, no ensino fundamental, no ensino médio ou na educação superior.
É de conhecimento geral (e isso eu sei por experiência) que a docência não é a profissão mais valorizada no Brasil (veja-se, por exemplo, o que declarou o próprio ministro da área em uma entrevista recente). Por consequência, também não é a mais desejada pelos jovens.
Ao menos, parece que, durante a pandemia do novo coronavírus, que obrigou o fechamento das escolas, a sociedade começou a perceber a importância de professoras e professores. Afinal, não é qualquer pessoa que pode ensinar, e as tecnologias não substituem o ambiente escolar.
Sempre tive aversão à ideia do magistério como uma vocação, porque vocação geralmente implica sacrifício, martírio. Da mesma forma, não concordo que o amor seja (ou deva ser) o principal motor de uma professora ou de um professor, até porque nenhum profissional é remunerado com sentimento. São necessários, em vez disso, formação inicial e continuada, motivação, reconhecimento social, salário condigno e boas condições de trabalho. Admito, porém, que é indispensável se encontrar na atividade docente.
Seja como for, ninguém pode negar o papel dos docentes em sua vida. Tenho lembranças diversas de professoras e professores. Nunca me esqueci da minha professora da 3ª série, que pronunciava as palavras com uma correção admirável. Recordo-me quando ouvi professoras e professores explicando determinados conteúdos (como, por exemplo, o uso da palavra “através” e a diferença entre os conceitos de tempo e clima). Fui marcada negativamente também, especialmente na graduação. E recebi o incentivo de um professor do mestrado, meu orientador, que enxergou em mim qualidades que eu nem via.
Como a ficção imita a vida, podemos encontrar, na literatura, diferentes professoras e professores, em diferentes épocas e lugares. Apresento aqui seis exemplos de docentes que podem ser encontrados em quatro obras literárias.
1. Nó na garganta
A professora de Nó na garganta (Atual, 2009), livro escrito por Mirna Pinsky e ilustrado por Andréa Ramos, chama-se dona Vera e causa uma sensação olfativa muito agradável em Tânia, a protagonista da história.
Tânia gosta de chegar perto da professora, porque ela sempre parece que está saindo do banho, cheira bem (p. 15).
Dona Vera ensina pacientemente a Tânia como se escreve a letra “a”. Está apaixonada e feliz. Por isso, não se aborrece quando a menina se atrapalha e desenha na lousa uma porção de bois para representar a letra ensinada.
O livro foi lançado em 1979, e sua história está ambientada em uma vila litorânea, no estado de São Paulo, naquela década.
2. Torto arado
Em Torto arado (Todavia, 2019), de Itamar Vieira Junior, somos apresentados a duas professoras. A primeira é impaciente e dá aulas três vezes por semana na sala apertada da casa de dona Firmina (uma moradora da comunidade) até ser substituída. A segunda, dona Lourdes, é contratada para lecionar na escola construída por insistência de Zeca Chapéu Grande (o pai das personagens principais). Belonísia, uma das protagonistas, descreve dona Lourdes como inicialmente cuidadosa e generosa, embora não se encaixe na realidade daquele lugar, onde se trabalha duro na roça. Ela tem as mãos finas e sem calos e usa perfume forte; também conta uma história do Brasil que parece distante; fala de figuras e heróis que não têm qualquer relação com a vida dos trabalhadores da fazenda Água Branca.
Minha apatia vinha também de perceber que havia crianças muito mais novas, algumas mais dispostas a aprender, lendo com muitos erros, mas em voz alta, sendo interrompidas a cada duas palavras por dona Lourdes para lhes corrigir a pronúncia (p. 98).
O livro tem como cenário uma fazenda na Chapada Diamantina, no interior da Bahia. Não consegui identificar a época, mas, como há uma referência à chegada da televisão, creio que a história se passa em algum momento entre as décadas de 1950 e 1970.
3. Anne de Green Gables
Em Anne de Green Gables (Autêntica, 2020), de Lucy Maud Montgomery, publicado originalmente em 1908, vemos dois professores opostos.
O primeiro professor da escola de Avonlea, o senhor Phillips, é reconhecido como um docente ruim, expõe os erros dos alunos diante de toda a classe, utiliza castigos injustos e humilhantes e passa as aulas dando atenção especial a uma aluna mais velha. A segunda, a senhorita Stacy, é jovem e carismática. Realiza atividades diversificadas, como recitais, show, trabalho de campo e exercícios físicos. Estimula os estudantes a desenvolverem suas melhores qualidades; e cria um curso preparatório para o exame da Queen’s Academy (curso de formação de professores).
Na nova professora, Anne encontrou outra amiga verdadeira e prestativa. A senhorita Stacy era uma mulher jovem, inteligente e simpática, que tinha o dom maravilhoso de conquistar e manter o afeto de seus alunos e de evidenciar o que havia de melhor neles, tanto mental quanto moralmente. […] (p. 198-199).
A história se passa na Prince Edward Island, no Canadá, no final do século XIX.
4. Conto de escola
Em Conto de escola (em Contos, Ática, 1996), de Machado de Assis, publicado pela primeira vez em 1896, o professor se chama Policarpo e tem cerca de cinquenta anos. Veste-se com calças brancas, jaqueta de brim lavada e desbotada, colarinho caído e chinelas de couro de cabra curtido. Seu andar é manso, mas seu jeito de disciplinar os estudantes é exatamente o contrário. Seus alunos o temem, especialmente seu filho, com quem é mais severo.
O pior que ele [Policarpo] podia ter, para nós, era a palmatória. E essa lá estava, pendurada do portal da janela, à direita, com os seus cinco olhos do diabo (p. 33).
As crianças aguardam de pé a entrada do mestre na sala e morrem de pavor da palmatória, que o narrador-protagonista tem a infelicidade de experimentar ao ser delatado por uma colega. São doze palmadas nas duas mãos, acompanhadas de sermão e xingamentos, que geram tanto inchaço quanto vergonha.
O conto se situa no Rio de Janeiro, no ano de 1840, final do período da Regência (1831-1845).
***
Para conhecer os livros, clique nos links a seguir:
Deixe seu comentário