Não. Branca de Neve jamais desapareceria, assim como Cinderela, Chapeuzinho Vermelho, Rapunzel, Bela-Fera ou Rosaflor Della Moura Torta. Elas tinham sido eternizadas nos livros pelos maiores artistas do mundo e suas vidas se renovavam todos os dias quando os livros se abriam na frente de novas crianças, prontas a rir, a chorar e a se emocionar com suas aventuras (p. 40).
Escrito por Pedro Bandeira e ilustrado por Avelino Guedes, O fantástico mistério de Feiurinha mistura conhecidos contos de fadas com a história de Feiurinha, personagem criada pelo escritor.
Um dia, em um época pós-final dos contos de fadas, as protagonistas de algumas dessas histórias se reúnem para discutir o que teria acontecido com Feiurinha, que desapareceu e ninguém sabe onde se encontra. O medo das personagens é que o “felizes para sempre” de cada uma delas também esteja comprometido, já que Feiurinha sumiu depois da promessa de final feliz.
Nenhuma delas, porém, se lembra da história de Feiurinha ou de quem a escreveu. Por isso, Branca de Neve envia seu lacaio até um escritor, o narrador de O fantástico mistério de Feiurinha, para descobrir o que teria se passado com a princesa desaparecida.
O livro é bem-escrito e presta uma homenagem aos contos de fadas e aos escritores que contaram e recontaram tais histórias. Também traz uma bela mensagem sobre a importância da palavra escrita (mais duradoura do que a palavra falada) e sobre o costume da contação de histórias dos mais velhos para os mais novos.
Eu não sou contra a leitura de contos de fadas. Pelo contrário, apesar das críticas que se possam levantar a respeito, defendo que eles devem ser conhecidos, pois fazem parte de nossa cultura. Acredito inclusive que vale a pena conhecer as versões originais, mesmo aquelas que nos parecem mais pesadas. Mas também gosto das releituras, que em geral são uma forma bem-humorada ou crítica de olhar para os contos de fadas (e note-se que, para entender tais referências, é necessário ter contato com o texto original).
Porém muita coisa me incomodou em O fantástico mistério de Feiurinha, ao ponto de não conseguir achá-lo engraçado como creio que pretendia ser.
Em primeiro lugar, não compreendi a necessidade de retratar mulheres que rivalizam entre si, que brigam o tempo inteiro e não sabem desenvolver uma conversa respeitosa nem mesmo quando encontram um objetivo comum: encontrar a Feiurinha.
Dona Branca avançou fuzilando de ódio, disposta a dar um pisão no pé descalço de Cinderela (p. 19).
Além disso, em um ponto ou outro do texto há menção ao aspecto físico das princesas após o casamento ou devido à idade: elas engordaram, o narrador chama a atenção.
As princesas estão grávidas (todas as seis) e completando 25 anos de casadas com os respectivos príncipes encantados. E já no início do livro há uma reflexão do narrador que estereotipa o casamento como uma fase em que não se faz mais coisa alguma, como se fosse o fim da vida (e, vejam só, mais uma vez o narrador fala em engordar).
Mas o que significa ‘viver feliz para sempre’? Significa casar, ter filhos, engordar e reunir a família no domingo para comer macarronada? Quer dizer que a felicidade é não viver mais nenhuma aventura? […] (p. 6).
Chapeuzinho Vermelho é descrita como uma solteirona que vive com a avó, uma mulher desesperada para ter um homem ao lado, sempre reclamando por não ter se casado.
— […] A essa altura não existe mais nenhum Príncipe Encantado solteiro. Eu que o diga! Estou cansada de ser solteirona e aguentar aquela Vovó caduca. Tenho procurado feito louca, mas só encontro príncipe casado… (p. 14).
Reconheço que o livro foi escrito em outra época (34 anos atrás) e não quero dizer que os livros para crianças e jovens devam ser politicamente corretos. Acontece que, no meu ponto de vista, essas passagens incômodas não se justificam no todo, não conferem mais graça ou emoção à história, tampouco afetam seu ponto central: a busca por Feiurinha. Para mim, foram elas que me roubaram o prazer da leitura.
Não é demais destacar que esta é somente a minha opinião, baseada na minha visão de mundo e nos meus gostos pessoais, e que muita gente admira essa obra, tanto que ela foi agraciada com o Prêmio Jabuti no ano da publicação da primeira edição.
Espero que quem estiver lendo este texto tenha a oportunidade de conhecer o livro e fazer sua própria avaliação. E peço que quem já o leu deixe aqui seu comentário.
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