Não sei exatamente o que dizer. Não sei exatamente o que sinto neste momento. Oscilo entre raiva, nojo, medo e desesperança. Isso já faz algum tempo, mas vem aumentando a cada dia.
Não é tão simples entender como viemos parar aqui: foi um processo que envolveu diferentes grupos e levou anos. Porém podemos especular que o pior de todos os candidatos, o mais incapaz, o mais tosco, só conquistou o cargo mais importante de um país tão grande porque representava aquilo que muita gente sentia: ódio, ódio, ódio e ódio. Muitos cidadãos de bem ansiavam por ter uma arma na mão para matar os inimigos. Ou alguém pode citar uma qualidade daquele candidato, sem fazer referência aos defeitos dos demais ou de governos passados?
É irônico que muitos dos 57 milhões de responsáveis por essa desgraça se arrependeram do voto apenas quando viram o mito debochar dos atingidos por uma doença tão perigosa.
Desculpe-me se houver alguém aí nessa situação, mas não há justificativa para isso. Quem não ouviu o então candidato (ou deputado) fazer arminha com as mãos, dizer que a ditadura deveria ter matado mais pessoas ou “brincar” de fuzilar seus opositores políticos? Embora todo mundo tenha ouvido, muitos não se importaram (até acharam engraçadinho), pois quando a ameça era contra os outros não havia problema, e foram coniventes com a política da morte.
Outros se disseram surpresos dias atrás ao ouvir o presidente, em uma reunião de insanos, afirmar que interferiria em tudo para proteger os seus familiares e amigos ou ameaçar os outros poderes.
Isso também esteve bem claro desde o início. O que se esperava de um deputado que inseriu toda a família na vida política e que anos atrás declarou que fecharia o Congresso Nacional se um dia chegasse à Presidência da República? Não enxergou quem não quis ou quem achou que valia a pena correr o risco desde que o país se livrasse da tão repisada ameaça comunista.
Como eu disse, não há desculpa para quem votou em um projeto de ditador. Reconheço, entretanto, que piores são aqueles que continuam a defender aquela figura horrenda nas ruas ou nas redes sociais; aqueles que desejam reviver o que há de pior na história da humanidade (inclusive com tochas nas mãos); aqueles que chegam até a afirmar que a presença dele na chefia do Executivo Federal é obra de Deus.
Digo, sem medo de ser injusta, que os sujeitos que restaram ao lado do presidente são seu espelho. Não percamos tempo (e saúde mental) tentando convencê-los do contrário.
No último final de semana, alguém começou uma campanha para nos lembrar que somos a maioria da população brasileira: somos 70% de pessoas que não querem no poder um presidente genocida, que usa o Estado em seu próprio favor, que não se preocupa com o povo, que agride jornalistas e opositores, que glorifica a morte (dos outros, é claro), que somente se indigna quando algo atinge seus filhos e amigos, que envergonha o Brasil a cada vez que abre a boca. Somos a maioria — foi preciso alguém nos lembrar — e não devemos nos calar nem nos render.
Eu, na verdade, tinha consciência disso (acho que todos nós tínhamos), mas me sinto impotente mesmo assim; não sei o que poderia fazer para mudar a situação, já que aqueles que podem se limitam a publicar notas de repúdio.
Em 2015 e 2016, mesmo com o medo, tínhamos a esperança de fazer algo acontecer quando gritávamos “não vai ter golpe, vai ter luta”. Então o golpe veio, não teve jeito. O atual presidente estava lá e todo mundo o escutou honrar a memória de um torturador (muitos o escutaram e aplaudiram e riram).
Depois daquele tempo, tornei-me descrente em relação às instituições do nosso país. Houve muita coisa errada ali, a começar pela naturalização daquela fala e a ascensão daquela caricatura ao cargo de presidente anos depois. Daquelas nossas palavras de ordem sobrou apenas a luta, que anda a cada dia mais morna, mais tímida.
Com constância, sinto uma coisa aqui dentro que não sei explicar. Ler as notícias nos sites jornalísticos e nas redes sociais me deprime, ainda mais quando resolvo conferir os comentários e me deparo com a opinião (quase sempre agressiva) de quem vive em uma realidade paralela na qual o Brasil passa por seu melhor momento.
A verdade é que o país deve estar vivendo seu momento mais pavoroso desde a redemocratização e ainda vai levar um tempo, muito tempo, para nos levantarmos, nos curarmos e voltarmos ao caminho que começávamos a trilhar. Talvez seja a hora (já passou da hora) de recuperarmos aquela luta que prometemos há cinco anos.
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