16 de maio de 2020

2 Comentários

O processo VI

Publicar o livro (parte 1)

Não estamos conseguindo agora, e talvez nunca seja possível ganhar a vida escrevendo, que é a profissão desejada por nós. O que faremos para ganhar dinheiro sem sacrificar nossa energia e tempo, prejudicando nossa vocação? (Plath, 2017, p . 505).

O trecho acima retirei de Os diários de Sylvia Plath. Nele a autora relata sua angústia por não poder viver de seu sonho de escrever.

Imagino que todo escritor e toda escritora tenha um sonho igual ao de Sylvia Plath. Quem de nós nunca se colocou como personagem daquela cena em que um escritor se encerra em seu escritório, recheado de livros, senta-se à mesa e passa o dia apenas criando, criando e criando?

Nem bem terminamos de imaginar, porém, vem a realidade e nos mostra que raramente é possível se entregar à escrita integralmente, raramente é possível abandonar um emprego fixo e se aventurar pelo mundo da literatura.

Eu não vou aqui cair no lugar comum de que a culpa disso é dos brasileiros que não leem. Porque isso é verdade e também não é: há muita gente lendo sim, mas há também muita gente escrevendo.

Outra coisa a realidade joga na cara de um grande número de escritores: não é fácil fazer um projeto virar um livro de verdade, encapado, diagramado, ilustrado, com ficha catalográfica, código ISBN, dedicatória, agradecimento, nota de rodapé e talvez um prefácio.

E, diante das variadas negativas que recebemos (ou apenas inferimos naquela falta de resposta) das editoras, não é surpreendente questionarmos o nosso talento. Bem, acontece comigo. Aconteceu até com a Sylvia Plath.

E se nosso trabalho não for bom o bastante? Recebemos recusas. Não seria um modo de o mundo dizer para deixar de lado essa história de sermos escritores? Como garantir que seremos mais do que medíocres, se nos dedicarmos muito e amadurecermos? Não seria a vingança do mundo por nos metermos a besta? (Plath, 2017, p . 505).

A boa notícia para os aspirantes a escritores publicados é que pode haver diferentes razões para essas recusas além da (tão temida) falta de talento. María Teresa Andruetto (2012) nos apresenta uma delas.

A autora revela que as editoras (até aquelas renomadas) investem em livros de sucesso instantâneo, com volume de vendas garantido. Ela fala de textos para crianças e jovens, naqueles que são produzidos sob medida para agradar às escolas, às mães, aos pais, aos governos, com ensinamentos de valores e conteúdos escolares. Mas acredito que a ideia se aplica em qualquer situação.

Dessa forma, as obras que não se encaixam em um tema ou estilo pré-determinado terão mais dificuldade de se inserir no mercado editorial.

Sobre isso, eu mesma tenho uma experiência a contar. Meses atrás, um texto juvenil meu foi recusado porque, de acordo com quem o avaliou, contém “romance de menina” (é isso mesmo, aparentemente existem romance de menina e romance de menino) e não serviria para o “nicho escolar”, pois, para isso, precisaria agradar tanto a meninas quanto a meninos.

Aqui então eu me pergunto: quem determinou o que agrada a meninos e o que agrada a meninas? Haveria a mesma crítica se houvesse ali um dos tais temas de interesse dos meninos? Ou repito a pergunta feita pela filha de uma amiga, à época com apenas treze anos: qual seria o problema de agradar apenas às meninas?

Queria descobrir até onde ia essa avaliação e mandei outra proposta. A resposta agora deveria ser diferente, considerando que não havia no segundo texto o tal romance de menina.

Nova negativa me chegou, agora com outra observação. O texto não era o reconto de uma história oral de algum povo existente. Era uma história totalmente fictícia — e isto a desclassificava, já que, segundo a avaliadora, a literatura infantojuvenil (ou “escolar”, como ela também chamou) precisa de obras com “esse tipo de abordagem”.

Desisti de ir por esse caminho, porque não consigo compreender quando se diz que a literatura infantil e juvenil (ou qualquer outra) precisa desse ou daquele tema, dessa ou daquela abordagem. Não consigo compreender a literatura por encomenda, pois escrevo sobre o que me causa interesse e paixão; escrevo do jeito que sei, com minhas qualidades e meus defeitos; escrevo com meu coração, com todo o meu ser. Pode ser que meus textos não causem todos esses efeitos nos outros, mas é assim que escrevo e não saberia ou não poderia escrever sobre aquilo que me mandassem escrever — não acredito que se escreve bem por ordem.

A segunda razão para a dificuldade de aceitação de originais de livros pelas editoras pode ser a falta de popularidade do autor. Elas recebem um grande número de propostas para análise. Por isso, dificilmente se ocuparão da leitura do texto de um desconhecido. Se chegarem a analisá-lo, temerão se arriscar a ter prejuízos financeiros.

Minhas experiências não se esgotaram, porém as guardarei para outra ocasião. Para finalizar, só quero deixar aqui a mensagem de Andruetto (2012): o original ser recusado ou o livro não ser um sucesso de vendas não indicam falta de qualidade. Às vezes, podem indicar o contrário.


Referências:

ANDRUETTO, María Teresa. Por uma literatura sem adjetivos. São Paulo: Pulo do Gato, 2012.

PLATH, Sylvia. Os diários de Sylvia Plath: 1950-1962. São Paulo: Biblioteca Azul, 2017.

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2 Comentários

  • Eliete Morais
    16 maio, 2020

    É isso mesmo Eri, a recusa não quer dizer que não seja maravilhoso. 👏👏👏👏

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