É um contrassenso falar de livros e de escrita em meio a uma pandemia. Disse isso a mim mesma inúmeras vezes quando a situação ficou mais séria, quando o que parecia distante se aproximou da gente.
Sentei-me para escrever ou pensei em escrever e me deparei com alguma notícia me levando de volta à realidade dos infectados, dos mortos, dos parentes dos mortos, dos desempregados, dos esfomeados. Como me atrever a falar em literatura enquanto o mais importante escapa das mãos de muita gente ou sequer passou por suas mãos?
Tomando emprestadas as palavras de uma amiga muito querida, é muito cômodo estar em casa com internet, TV, Netflix, alimentos e banheiro limpo. E eu acrescento: é muito confortável para mim ocupar meu tempo livre com leitura e escrita, já que não preciso me arriscar lá fora agora para conquistar o pão nem esperar pela caridade de alguém.
Lendo o livro Por uma literatura sem adjetivos, de María Teresa Andruetto, encontrei o mesmo questionamento que eu me tinha feito:
Para que escrever, para que ler, para que contar, para que escolher um bom livro em meio à fome e às calamidades? (Andruetto, 2012, p. 24).
Confesso que me envergonhei em algumas ocasiões e até desisti de me sentar para escrever ou até mesmo de pensar em escrever.
Foi aí que cheguei ao entendimento de que não posso fazer quase nada sozinha. Posso esbravejar contra o comportamento de determinados políticos; posso me revoltar com o egoísmo daqueles que, tendo a opção de ficar em casa, saem às ruas para pedir que tantos outros sejam obrigados a sair diariamente; posso me entristecer com o descaso do Estado para com aqueles que precisam de socorro. Porém meu esbravejamento, minha revolta e minha tristeza repercutem bem pouco.
Não quero dizer que deixarei de esbravejar, de me revoltar ou de me entristecer — ninguém deve deixar. Só preciso ter consciência de que, não tendo poder de decisão, tampouco de resolução dos problemas, me resta realizar as pequenas ações que estão ao meu alcance e não me angustiar tanto com aquilo que está fora do meu controle.
Pode ser que esse argumento não convença e continue a ser um contrassenso escrever enquanto houver assuntos mais urgentes em que me ocupar. Mas, creio eu, a escrita e a leitura também são formas de nos salvar (como eu já disse aqui antes). Ou, como María Teresa Andruetto responde à sua própria pergunta:
Escrever para que o escrito seja abrigo, espera, escuta do outro (Andruetto, 2012, p. 24).
Também posso dizer que a escrita é minha melhor ferramenta. Outras pessoas cuidam de vidas, elaboram projetos, criam abaixo-assinados, fazem transmissões ao vivo. Eu só posso escrever.
Referência:
ANDRUETTO, María Teresa. Por uma literatura sem adjetivos. São Paulo: Pulo do Gato, 2012.
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