17 de março de 2020

2 Comentários

Caso de saúde pública

Por Eriane Dantas

A cena que o último final de semana nos proporcionou entrará para a história como uma das mais horrendas dos últimos tempos. Só não foi capaz de surpreender um ser humano sequer, a não ser quem, por acaso, esteve isolado do mundo nos últimos meses.

Ainda assim, muita gente deve ter se perguntado: “O que centenas de pessoas faziam aglomeradas nas ruas durante uma pandemia? Elas não temem propagar o vírus?”

Não, elas não temem. Com seus gestos, frases e vestimentas, gritavam que o novo coronavírus não é nada, apenas histeria, um plano da China para destruir o mundo, sem recear nem mesmo o contato com um indivíduo possivelmente infectado, mostrando que decoraram o ensinamento de seu líder.

Não é necessário perder tempo com investigação e discussão. A causa dessa despreocupação é clara: aquelas pessoas já foram infectadas por outro vírus. E esse também é poderoso: atrapalha os sentidos e tem se espalhado com rapidez, não havendo perspectiva de cura. Vacina e tratamento até existem, mas nenhuma delas acredita na eficácia da educação, do conhecimento, da informação. Preferem a desinformação e chamam de mito o maior hospedeiro da doença.

Não adianta apelarmos para a empatia nesse caso, pois esse é um sentimento bastante raro e não nascerá logo naqueles que escolheram a dedo o candidato que menos demonstrava apreço ao outro.

Aliás, o outro é justamente quem não interessa ao mito e seus apoiadores. Não foi pensando no outro que mais de 57 milhões de eleitores entregaram seu voto a esse candidato. Não foi a empatia que nos trouxe até aqui. Então não esperemos um comportamento diferente de tais pessoas ou daquele que as lidera, não esperemos que preservem a saúde coletiva. Tal qual seu mito, elas não pensam em outro alguém além de si mesmas e são capazes de expor os demais a risco para atender aos próprios interesses. Elas não têm sequer pudor de esgotar toda a nossa reserva de vergonha alheia.

Elas são o espelho do mito, e este é o espelho delas. E nem sei dizer quem deu origem a quem. Só sei que eles se retroalimentam e essa relação terá vida longa enquanto permanecermos apáticos, aguardando que alguma força externa ou um salvador liberte o país da epidemia de ignorância e nos resgate do universo paralelo para o qual fomos arrastados, mesmo sem o nosso consentimento.

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2 Comentários

  • Ana Luiza
    18 março, 2020

    É isso mesmo, Eri, infelizmente!
    Estamos vivendo um universo paralelo e aguardando um milagre acontecer.
    Tristes tempos!

    • Eriane Dantas
      24 março, 2020

      Muito tristes mesmo, Ana!

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