Quão grande pode ser a influência de um pai ou uma mãe na forma como uma criança se portará e se relacionará com as outras pessoas? Foi essa a pergunta que me fiz do início ao fim da leitura de Hibisco roxo.
Meus primos riram, e Amaka olhou para Jaja e para mim, talvez achando estranho não rirmos também. Eu quis sorrir, mas estávamos passando na frente de casa bem naquele momento, e a visão dos enormes portões negros e dos muros brancos paralisou meus lábios (p. 91).
Hibisco roxo é um romance de Chimamanda Ngozi Adichie, que escreveu ainda os romances Meio sol amarelo (2008) e Americanah (2014), a coletânea de contos No seu pescoço (2017) — do qual já falei aqui — e os ensaios Sejamos todos feministas (2015), Para educar crianças feministas (2017) e O perigo de uma história única (2019).
A história de Hibisco roxo é narrada pela também protagonista Kambili, uma adolescente de família rica que, junto com o irmão Jaja e a mãe, vive sob os ditames de um pai severo e católico extremista. Assim, Kambili, Jaja e sua mãe mantêm-se em total falta de liberdade, em uma casa com excesso de regras e com horário marcado para tudo, até mesmo para dar uma cochilo.
O pai é um tanto contraditório: por um lado, conduz a vida da família com rigidez e violência, não tolerando qualquer desvio do caminho que considera o correto, e rejeita inclusive o próprio pai — um homem apegado à tradição que se recusa a se converter ao catolicismo. Por outro, mantém um jornal progressista e é conhecido como um grande bem-feitor da comunidade.
[…] Pancadas pesadas e rápidas na porta talhada à mão do quarto dos meus pais. Imaginei que a porta estava emperrada e que Papa estivesse tentando abri-la. Se imaginasse aquilo sem parar, talvez virasse verdade. […] (p. 39).
Como resultado dessa criação, Kambili é uma menina que pouco se expressa, que se esforça para agradar ao pai e para falar aquilo que ele quer escutar, sofrendo toda vez que não consegue dizer algo que o deixaria contente.
— Deus nos salvará — disse eu, sabendo que Papa gostaria de ouvir isso.
— Sem dúvida, sem dúvida — concordou Papa, assentindo.
Ele esticou a mão e pegou a minha, e eu senti como se minha boca estivesse cheia de açúcar derretido (p. 32).
Com a aproximação do avô “pagão”, da tia Ifeoma (uma professora universitária), dos primos (dois adolescentes conscientes e questionadores) e do padre Amadi (um sacerdote mais próximo da vida real), vemos a mudança começar na mente de Kambili e no comportamento de Jaja.
[…] Risadas flutuavam acima da minha cabeça. Palavras jorravam da boca de todos, muitas vezes sem procurar nem receber nenhuma resposta. Lá em casa, só falávamos quando tínhamos algo importante a dizer, sobretudo quando estávamos sentados à mesa. Mas meus primos pareciam simplesmente falar, falar, falar (p. 130).
A princípio, Kambili se sente de fora daquele círculo de pessoas, pois não sabe falar ou rir tão aberta e espontaneamente como os primos, por exemplo. A menina, porém, é incluída aos poucos, ao mesmo tempo em que acolhe essa nova forma de viver em família e vê a sombra do pai diminuindo.
Hibisco roxo tem uma escrita fluida, mas não é um livro para quem busca entretenimento. Seu conteúdo é denso; seu enredo, inquietante e capaz de mobilizar os mais diversos sentimentos. É impossível não sofrer com os relatos de violência protagonizados pelo pai ou com o sentimento de inadequação de Kambili. É impossível não se indignar com esse pai ou não torcer para que Kambili, Jaja e a mãe se rebelem e tomem o controle de suas vidas.
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