Meu sonho de criança era ser como minha mãe: uma mala elegante de rodinhas; queria viajar pelo mundo afora e fazer parte de momentos memoráveis. Como efeito colateral, me tornaria famosa, aparecendo em fotos publicadas nas redes sociais.
Como sabemos, porém, a vida nem sempre é justa e às vezes vira o rosto para aquele que cedo madruga. O esforço, a base da minha filosofia, não garantiu a realização do meu sonho. Quem disse que podemos ser tudo o que queremos? Faltou sorte e, em vez de seguir a carreira de mamãe, tornei-me uma mochila.
Ser mochila não era o objetivo de nenhuma das minhas amigas, e minha família, claro, não ficou feliz com a minha carreira profissional.
No fim das contas, eles erraram. Foram as tais linhas tortas que me levaram por esse caminho. Se fosse como mamãe, seria carregada para todo lado em bagageiros de ônibus ou aviões e seria revistada antes de qualquer embarque. Ainda correria o risco de ser extraviada e parar em outra cidade. Essa parte do trabalho da minha mãe as fotos não mostravam e ela nunca revelava.
Comigo é diferente. Sempre que vamos a qualquer canto, vou nas costas ou no colo da minha dona. Nunca em gavetas fechadas, escuras ou lotadas. Uma claustrofóbica, como eu, não aguentaria.
Também me sinto útil e passeamos vez ou outra. Além disso, as amigas da minha dona vivem me pedindo emprestada. Fazer o quê? Sou linda. Tenho dois bolsos laterais e outro frontal e um delicado fecho. Um charme! Minhas alças são grossas e resistentes e fui bem costurada. A minha cor é a mais bonita: dois tons de verde se misturam e me deixam por dentro das tendências da moda. Só há um probleminha: meu material esquenta muito — sou feita de couro sintético e vivo morrendo de calor, especialmente quando saímos ao sol.
Nem por isso deixei de viver uma experiência negativa em minha carreira, justamente no meu primeiro emprego. Fui entregue a uma menina linda. Logo viramos amigas inseparáveis, e eu guardava tudo o que ela possuía de mais importante: livros, cadernos, lápis, diários, fotos, cartas, segredos. Não deixava escapar seus tesouros.
Mas fiquei adoentada. A garota me levou para a escola mesmo assim, com mil coisas dentro de mim. Lá pelas tantas, recolheu seus objetos e me pendurou em um gancho numa parede do corredor. Eu não entendia o que acontecia. Minha esperança era ser resgatada a qualquer hora.
Segundos depois, a menina retornou e me fez chorar de felicidade, mas voltou só para buscar um lápis esquecido em um dos meus bolsos. Fiquei lá, abandonada, e percebi que o problema era ainda maior: o meu fecho estava quebrado. Como poderia agora levar tudo, sem proteger nada? E quem ia querer uma mochila inválida?
Se existe uma coisa revoltante é a situação da minha classe neste país. Nós, mochilas, bolsas, sacolas e até malas, temos péssimas condições de trabalho, carregamos muito peso a vida toda e, como recompensa, somos descartadas assim que um pequeno problema físico surge. Quando ficamos velhas, somos trocadas por outras mais jovens. As carteiras reclamam da desvalorização: elas levam bens valiosos e, mesmo assim, são obrigadas a viver escondidas. Quem tem situação ainda pior são minhas amigas pochetes: há décadas vivem empoeiradas em baús, caixas e armários; apenas de vez em quando algum contestador resolve levá-las para tomar um pouco de ar.
Passei dias naquela mesma posição. Minha alça direita já estava com cãibra. Não havia uma colega ou uma criança por perto. Comecei a perder as esperanças.
Foi aí que a zeladora da escola apareceu. Retirou-me do castigo e me colocou dentro de um saco preto. Tive medo, ou melhor, pavor. Não sabia para onde íamos, mas algo me dizia que acabaria em um grande cesto na frente da escola. Depois seria levada em um caminhão a um lugar onde encontraria muitas das minhas companheiras aposentadas.
O caminho foi mais longo. Fui sacudindo, sacudindo, sacudindo, sem poder respirar e sem saber aonde chegaria. De repente, a mulher parou. Então vi a luz. Fui retirada do saco e posta sobre uma mesa. Eu tremi. Tentei escorregar para o chão, porém a zeladora foi mais rápida: me agarrou e me atacou com agulha e tesoura. Desmaiei.
Quando despertei, sorri, meio envergonhada. Ela tinha tratado minha enfermidade e me presenteado com um lindo chaveiro de coração. Só que, logo em seguida, me vestiu com um embrulho colorido e apertado.
Retiraram de mim aquela capa sufocante. Ufa! Então me vi nas mãos de uma menina sorridente, que me agarrou como se me esperasse há muito tempo. Deixei-me cair em seus braços, e ela me alisou até me fazer cochilar.
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