Gisele se orgulhava de ser uma funcionária exemplar, mas tinha uma fraqueza e precisou enfrentá-la ao ser escalada para um evento de trabalho em São Paulo na companhia da chefe.
No primeiro dia, depois de cumprirem suas tarefas, sobrou-lhes uma tarde livre, que a chefe resolveu aproveitar mostrando a cidade para a subordinada.
Pegaram um táxi na porta do hotel, desceram em um trecho da Avenida Paulista e caminharam até o Masp, mas o encontraram de portas fechadas.
Entraram em outro táxi. Saltaram em Pinheiros, em um restaurante italiano. Pediram uma porção bem-servida de bife à parmegiana, batata-frita e arroz. Quando se sentiram satisfeitas, a chefe solicitou ao garçom que embrulhasse as sobras. Agora já tinham o jantar garantido, ela disse. E Gisele ficou imaginando quão desagradável seria comer aquele bife frio à noite, mas de jeito nenhum ousou questionar a chefe. Esperaria para ver como ela resolveria isso dali a algumas horas.
O rapaz rapidamente embalou os restos do bife e os colocou em uma sacola de papel, que a chefe recebeu e saiu exibindo, como se carregasse um prêmio.
Chamaram outro táxi e partiram dali diretamente ao cinema. A sessão estava mais ou menos vazia. As duas se sentaram em um lugar confortável, e a chefe colocou a sacola do bife em um assento ao lado. Ao olhar para a sacola, Gisele não pôde deixar de pensar em como aquele bife estaria até a noite e no que ela faria para escapar de ter que comê-lo no jantar.
Quando saíram da sala, a escuridão já havia coberto o céu, e a chefe, com a sacola pendurada no braço direito, anunciou:
— Vou levar você numa lanchonete muito popular aqui.
“Quero saber que horas ela vai comer esse bife” — Gisele pensou.
Chegaram à lanchonete e cada uma delas pediu um bauru e uma Coca-Cola. E, olhando para o tamanho daquele sanduíche, difícil até de morder, Gisele se perguntou: “Será que ela ainda vai encarar o bife?”.
Depois de comerem mais do que mandam as boas maneiras, pegaram um novo táxi rumo ao hotel, e a chefe não se esqueceu de pegar a sacola. No quarto, olhou para ela e comentou com pesar:
— Hoje não dá mais pra comer o bife.
“Aleluia!” — Gisele vibrou por dentro. — “Amanhã ela vai dar um jeito de jogar isso fora”.
A chefe então tirou o bife da sacola e o guardou no frigobar.
— É bom que a gente já tem o almoço de amanhã — comemorou.
Gisele não acreditou naquilo. Mais uma vez teria que se preocupar em elaborar uma forma de se esquivar do bife, que no dia seguinte estaria estragado depois de tanta andança.
Quando despertaram pela manhã, Gisele teve a impressão de ter sonhado com o bife à parmegiana, mas teve esperança de que a chefe não se lembrasse dele e o abandonasse no refrigerador. Se assim acontecesse, não seria ela quem a faria se lembrar. Mais tarde, se a chefe se recordasse, ela fingiria que também havia se esquecido.
As duas se arrumaram, juntaram seus pertences, pegaram as malas e, quando iam fechando a porta, a chefe gritou:
— O bife!
Voltou. Recolocou-o na sacola e a enfiou em um dos braços.
Saíram do hotel para o local do evento, Gisele pensando no bife e a chefe agarrada à sacola.
Pouco antes do meio dia, as duas se dirigiram ao aeroporto e Gisele voltou a pensar em que resposta daria para recusar o bife. Chegando lá, porém, a chefe a carregou até um restaurante, e as duas encheram a barriga de batata recheada. Gisele então falou só para si mesma: “E o bife?”.
Bem, o bife continuou caminhando com a chefe, que pegou a fila preferencial, passou pelo detector de metais e embarcou no avião.
Muito tempo depois, após esperar em um fila que dava voltas, Gisele conseguiu entrar na aeronave e chegar ao seu lugar, do lado direito do corredor, no assento 21D. Queria agora apenas encontrar um espaço para guardar a mala, se sentar e ler um livro.
Viu primeiramente a chefe, sentada do outro lado do corredor, no assento 21C. A chefe sorriu, e Gisele sorriu de volta. Estava realmente animada — tinha conseguido se livrar do bife à parmegiana sem precisar dizer qualquer coisa. Agora aquela comida azeda era problema exclusivo da chefe.
Quando ergueu o olhar para verificar se ainda havia uma vaga na gaveta de bagagens acima da sua poltrona, viu lá a bendita sacola com o bife à parmegiana. Encarou-a por tanto tempo que a chefe pareceu ter percebido e se obrigou a explicar:
— Coloquei o bife aí pra você levar.
Gisele deu um sorriso sem sequer afastar os lábios e comentou consigo mesma: “Logo eu, que nem gosto de bife à parmegiana”.
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