Carta a minha filha é um livro que Maya Angelou dedicou a todas as mulheres do mundo, as quais adotou como filhas e herdeiras de sua luta.
Você não pode controlar todos os fatos que acontecem em sua vida, mas pode decidir não ser diminuída por eles. Tente ser um arco-íris na nuvem de alguém. Não se queixe. Faça todo o esforço possível para modificar aquilo de que não gosta. Se não puder mudar algo, mude a maneira como pensa. Talvez você encontre uma nova solução (p. 16).
Maya Angelou nasceu em 1928 e morreu em 2014. Nesses 86 anos de vida, fez tanta coisa que eu ocuparia todo o espaço aqui só falando de sua história. Então, para resumir, é importante saber que, além de escritora e poeta, Maya foi atriz, cantora, bailarina, roteirista e diretora em Hollywood. Foi ainda uma das maiores ativistas negras dos Estados Unidos, lutando ao lado de Martin Luther King Jr. e Malcolm X.
Sua autobiografia, Eu sei por que o pássaro canta na gaiola, é um grande best-seller e está na minha lista de leitura.
Carta a minha filha foi publicado originalmente nos Estados Unidos, em 2008, e chegou ao Brasil em 2010, traduzido pela editora Nova Fronteira. A edição de que falo aqui (a segunda) foi publicada em 2019 e conta com um prefácio escrito por Conceição Evaristo.
Nesse livro, dividido em 28 capítulos, Maya Angelou conta às mulheres, suas filhas adotivas, as lições que aprendeu durante a vida, uma vida cheia de experiências dolorosas, mas também de luta e de contato com variadas formas de arte.
Ela começa por sua infância, dividida entre a casa da avó, no Arkansas, no Sul dos Estados Unidos, onde morou por dez anos, e a casa da mãe, na Califórnia, onde passou a viver com treze anos.
Menciona a forma como o Sul e a cidade em que ela vivia tratavam os negros, reduzindo “até grandes adultos negros a anões psicológicos” (p. 18). E fala de sua luta, enquanto crescia, contra um estado de rendição aos adultos, todos negros e grandes; e contra a submissão à ideia de que os negros eram inferiores aos brancos — brancos estes que ela quase nunca via.
Felizmente Maya Angelou foi bem-sucedida na luta, pois destaca que nunca se sentiu inferior a pessoa alguma. Isso provavelmente a ajudou a desenvolver e mostrar seu talento e a lutar pelos direitos dos negros.
Sem saber exatamente por quê, eu não acreditava ser inferior a quem quer que fosse, talvez com exceção do meu irmão. Eu sabia que era esperta, mas também sabia que Bailey era mais do que eu, talvez porque ele me lembrasse disso com frequência e até sugerisse que poderia ser a pessoa mais esperta do mundo (p. 18).
Além disso, Maya encontrou “sua casa”, que define como um lugar construído em nós mesmos quando criança, no qual mais ninguém pode entrar e ao qual voltamos mesmo na vida adulta.
Achei interessante pensar nesse local em nós onde guardamos nossa versão criança, que é inocente, tímida e despreocupada das responsabilidades e de todos os problemas à nossa volta.
Em seguida, Maya Angelou relata como foi voltar a viver com a mãe. Criada pela avó paterna, com quem aprendeu a andar devagar, falar baixo e ouvir músicas cristãs, Maya estranhou o jeito da mãe: que recebia muita gente em casa e ouvia jazz e blues em alto volume.
Percebe-se, nos demais relatos, que pouco a pouco a relação das duas foi se fortalecendo com o apoio da mãe em momentos difíceis. E, ao se tornar mãe e adulta, Maya travou uma nova batalha, agora para ser independente.
Em relação à maternidade, vê-se uma mulher que foi mãe por acaso, aos dezessete anos. Como muitas mães, ela se sentia culpada por deixar o filho com a mãe enquanto rodava o mundo a trabalho e tinha medo de o filho sofrer em um mundo tão desigual. Mas também se observa uma mãe consciente da necessidade de criar o filho para ser livre.
Aprendi a amar meu filho sem querer tomar posse dele e aprendi a ensiná-lo a aprender sozinho (p. 29).
Nos demais capítulos, Maya Angelou exorta as mulheres à caridade, à generosidade, à verdade, à humildade, à independência, à luta política, à preservação das origens. Faz isso enquanto fala de suas experiências adquiridas em viagens por outros países, no contato com outras culturas, no trabalho no mundo das artes e em palestras em universidades.
Compreendi que nunca poderei me esquecer de onde venho. Minha alma sempre olhará para trás e se maravilhará com as montanhas que escalei, os rios que atravessei e os desafios que ainda me esperam pela estrada. Essa compreensão me fortalece (p. 89).
Além da linguagem de fácil compreensão, como se a autora estivesse conversando com cada uma das leitoras, esse livro é valioso por nos permitir aprender com a experiência de uma mulher que marcou a história com seu trabalho artístico e com sua atuação política. Seus relatos de amadurecimento nos mostram que, mesmo em sua grandeza, Maya Angelou continuava uma mulher com defeitos, fraquezas e medos, como qualquer uma de nós, e não teve pudor de confessá-los.
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