Iaakov Markovitch não era feio. Que não se conclua disso que era bonito. Garotinhas não desatavam a chorar por causa de seu aspecto, tampouco sorriam ao ver seu rosto. Ele era, seria possível dizer, um glorioso meio-termo (p. 11).
Esse é o romance de estreia de Ayelet Gundar-Goshen, escritora israelense que também é psicóloga e roteirista.
Que forma de começar! O livro lhe rendeu um prêmio literário em Israel, o Prêmio Sapir, pelo melhor romance de estreia de 2012, e foi traduzido para catorze idiomas.
Iaakov Markovitch e seu amigo Zeev Feinberg vão à Europa durante a Segunda Guerra Mundial, junto com outros rapazes, para participar de uma missão humanitária que consiste em se casar com moças europeias e assim libertá-las do perigo do nazismo, levando-as consigo para a Palestina.
Mas o que os move até lá não é exatamente a generosidade e sim a necessidade de escapar da colônia, da faca do shochet (pessoa que abate mamíferos e aves para comer, conforme as leis dietéticas judaicas).
Iaakov Markovitch, como vemos no trecho destacado acima (que é também a introdução da história), é um homem sem grandes atrativos físicos, alguém em cujas feições os olhares jamais se detêm. Por isso, é responsável pelo contrabando de armas, já que pode realizar seu trabalho sem chamar a atenção dos inimigos. Lê textos de Jabotinsky, trabalha no campo e alimenta os pombos com migalhas de pão.
Zeev Feinberg é o oposto. Atrai os olhares por onde passa, tanto por seu jeito expansivo quanto por seu bigode que praticamente tem vida própria. Entre esses olhares, estão sobretudo os de mulheres, cuja companhia ele não dispensa.
Zeev Feinberg era um verdadeiro revolucionário, comunista na plena acepção da palavra. Dividia seu amor em partes iguais, sem dar preferência a uma ou a outra (p. 25).
Mesmo mulherengo assim, Feinberg decide, durante a viagem, se entregar a uma única mulher ao retornar à colônia. Já Markovitch é premiado com o casamento com a mulher mais bonita que ele já viu, a mulher dos seus sonhos. E a paixão por ela se torna uma obsessão que o acompanha ao longo da vida.
Por muito tempo, Iaakov Markovitch ia se maldizer pela expressão de seu rosto no momento em que a mulher que estava a janela se virou. A boca aberta, os olhos esbugalhados, tudo aquilo ia persegui-lo aonde fosse. Em vão xingou seu queixo, que despencara como se tivesse vida própria, e suas sobrancelhas, que se projetaram para além da testa (p. 62).
Nessa história há também três mulheres decididas, que vão e vem de acordo com o que lhes dá na cabeça. A primeira, Bella, a obsessão de Markovitch, está acostumada a causar admiração e decide abandonar a Europa e ir para a Palestina por influência de um poema sobre laranjas. A segunda, Sônia, a mulher pela qual Feinberg retorna, tem uma personalidade chamativa, assim como seu odor de laranja. Já Rachel, a esposa do shochet, é reservada e guarda na lembrança uma imagem terrível.
A história, com toque de realismo mágico, nos mostra personagens diferentes entre si, personagens que vivem, de perto ou de longe, os horrores de duas guerras e se posicionam diante da vida também de formas diferentes. Vemos cada um deles tomar decisões questionáveis para manter a união da família, o amor, um sonho impossível ou guardando silêncio quando deveriam falar. E vamos nos enfurecendo com eles em um capítulo e simpatizando em outro (e vice-versa).
Em relação ao protagonista, esse sentimento é ainda mais forte. Senti por ele pena, empatia, raiva, tudo ao mesmo tempo. Torci a favor e contra ele.
O livro é escrito de um jeito que nos faz sentir dentro dele. A autora serve-se da ironia e mescla de forma notável os sofrimentos dos personagens com reflexões sobre o lado patético e até engraçado do ser humano. Rimos de situações cotidianas, conseguimos sentir as dores dos personagens, o cheiro de laranja e de pêssego. E não encontramos clichês em lugar algum, nem mesmo no final.
E o sol — independentemente do que dissessem os cientistas — amava as pessoas em sua totalidade, na medida em que a distância permitia. Não fosse assim não circularia em torno delas dia e noite com preocupação, com dedicação maternal. E mesmo se cientistas dissessem que não era o sol que girava em torno das pessoas, e sim as pessoas em torno dele, e, mais grave ainda, que o giro não tinha a ver com amor ou preocupação, e fosse motivado apenas por leis físicas, não haveria como contestar nem por um segundo aquilo que o olho enxergava e o coração sabia (p. 374).
O único ponto negativo que encontrei no texto foi o incômodo que me causou a descrição repetitiva do bigode de Zeev Feinberg, que a todo instante despontava na história.
[…] ele baixou o olhar para o bigode e lembrou-se de como se eriçava quando via, com o canto do olho, uma mulher lhe sorrir, trêmulo como os delicados bigodes de um gato quando um rato se aproxima (p. 25).
Porém esse detalhe não compromete a leitura e talvez não represente incômodo para outras pessoas.
Deixe seu comentário