Um ruído irritante, como se alguém desse a partida em um carro velho, tomou conta do quarto e a cada segundo se tornou mais e mais alto. Não ouvia mais o tique-taque do relógio de parede nem o latido do cão do vizinho. E eram duas horas da manhã. Àquela altura, já tinha rezado uma novena em favor dos meus parentes, principalmente do meu marido barulhento.
Conferi as horas novamente: passava das três. Se eu pegasse no sono naquele momento, dormiria por pouco menos de quatro horas. Da forma como meus olhos estavam, despertos como se eu tivesse tomado uma garrafa de café, sabia que passaria outra noite em claro. A solução foi encontrar algo para matar o tempo e chamar o sono.
Ao pesquisar no Google “como parar de roncar”, retornaram mais de 140 mil resultados. Mal comecei a leitura, desisti. Se ele parasse de roncar, ainda me restariam os outros barulhos e não havia maneira de silenciar o recém-nascido da casa à frente. A busca certa então era “como tratar a insônia”. Nos oitenta mil resultados haveria a solução para o meu problema.
Eram seis horas da manhã e eu havia visitado vinte páginas diferentes. Em quase todas, encontrei as mesmas dicas: ingerir chá de camomila, tomar banho morno, limitar o consumo de cafeína e relaxar antes de ir para a cama. Como se eu já não fizesse tudo isso. Opa! Em uma delas havia uma sugestão que eu não praticava mais com tanta constância. Também meu marido, coitado, só chegava cansado e estressado. Não me admirava ter o sono tão agitado. No vigésimo site, me deparei com algo interessante: um neurologista prometia milagres a pessoas com dificuldades para dormir. Resolvi visitá-lo no mesmo dia.
A caminho do consultório do doutor Pedro Rocha, não tinha certeza se seria atendida ou se ele me ajudaria, mas me enchi de esperança. Conforme a Bíblia, Pedro significa pedra. Então, com esse nome e sobrenome, esperava que ele me fizesse dormir assim. Ri sozinha e me admirei do meu senso de humor apesar da fadiga, mesmo sabendo que essa não tinha sido uma das minhas melhores piadas. Não há quem seja engraçado depois de uma noite de insônia.
Não havia horário na agenda do médico. Todo mundo andava à procura desse profissional. A recepcionista da clínica, entretanto, prometeu encaixar uma consulta para mim entre um paciente e outro. Enquanto esperava, olhei ao redor: todos estavam sonolentos, alguns até chegavam a cochilar; e eu continuava sem sono, embora cansada. Mais tarde, ele me atacaria no meio da aula, justamente no dia de aplicar um teste no sexto ano, não sem antes revisar as regras de acentuação.
Após horas de espera, meu nome foi chamado. O neurologista era um rapaz sorridente, jovem e com boa aparência. Perguntou sobre meus hábitos alimentares, minha prática de exercícios físicos e minhas preocupações.
— Bom, doutor, não estou preocupada com nada. Sou professora, não ganho muito, mas o salário está dando pra pagar as contas. Meu marido está empregado. Minha filha foi cursar a universidade em outra cidade, mas todo dia falo com ela e sei que está bem. Este ano estou com uns alunos bem tranquilos. Todo mundo em casa está com saúde. O único problema mesmo é essa dificuldade pra dormir. Já tentei de tudo. Fiz até promessa.
— Então, dona Selma, vou receitar pra senhora o Serenix. É novo no mercado, mas foi testado e deu bons resultados. Acredito que vai ajudar a senhora com esse problema. A senhora terá que tomar um comprimido por noite e voltar aqui quando a caixa acabar. Tudo bem?
Após uma tarde com quatro turmas diferentes, entrei exausta em casa. Não via a hora de fechar os olhos. Deixei o jantar no fogão e um bilhete pedindo para não ser acordada. Seguindo a prescrição médica, tomei um comprimido e me deitei.
Acordei descansada e sorrindo às seis e meia da manhã. E, pouco a pouco, fui percebendo o motivo do meu sorriso: não era por ter dormido tranquilamente, mas porque eu acabara de ter um sonho apimentado com o doutor Rocha. Que vergonha, meu Deus!
Repeti o ritual à noite. De manhã, relaxada e feliz, só me lembrava de um sonho picante com o diretor da escola. As noites posteriores foram iguais. Em uma, sonhei com o pai de uma aluna; na seguinte, com o vizinho do lado direito; na outra, com o mecânico da oficina onde deixei meu carro para a revisão. Não podia continuar assim. Era inaceitável uma mulher casada sonhar com outros homens. Parti então para o consultório de Pedro Rocha.
— O que a traz aqui, dona Selma? — ele questionou, franzindo a testa. — A caixa de comprimidos ainda não pode ter acabado. Não faz uma semana que a senhora esteve aqui.
— Não sei nem como dizer isso, doutor, mas estou tendo certos sonhos à noite depois que comecei a usar esse medicamento. Ele tem algum efeito colateral? Li a bula uma centena de vezes e não vi nada lá.
— Ninguém nunca relatou um efeito estranho. Que tipo de sonho a senhora está tendo?
— Bem, digamos que tenho sonhos inapropriados pra menores e, pior, não são com meu marido. Não posso ter esse tipo de sonho. Se continuar assim, vou ter que ir à igreja me confessar. Imagina só eu tendo um sonho erótico com o padre! Santo Deus! O senhor acha que esses sonhos são um tipo de traição?
— Dona Selma, não sou psicanalista, sei muito pouco sobre interpretação de sonhos, Freud e essas coisas. Talvez seja só um componente do medicamento com o qual a senhora não se dá bem. Façamos o seguinte: a senhora suspende esse remédio e vou prescrever outro.
Com o novo receituário em mãos, parti para casa e tomei o comprimido. Despertei somente quando meu marido me chamou ao amanhecer. Sentia-me renovada, mas não sorria como nas manhãs anteriores. Pelo menos não tinha o peso na consciência e era capaz de encarar meu esposo sem me sentir adúltera.
Na volta para casa, pensei em comprar ingredientes para preparar um jantar diferente e, quem sabe, seguir aquela dica especial da internet. Passei no supermercado, onde orientei um homem alto a escolher a melhor marca de sabão em pó. Acelerei para casa. Aprontei a comida e esperei meu esposo até tarde, mas ele chegou exausto, não quis jantar e foi logo dormir.
Sozinha, recordei os momentos calientes vividos por meu inconsciente naquelas cinco noites. Talvez nunca tivesse experimentado algo parecido acordada. Calma lá! Um sonho não era nada de mais; era pura fantasia. Não seria pecadora só por sonhar. E, já que a realidade não estava tão encantadora, não seria nada mal imaginar uma cena com o cara do supermercado. Resgatei a caixa do Serenix da gaveta, tomei um comprimido e caí na cama.
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