Convém notar que por vezes é ilusória a declaração de um criador a respeito da sua própria criação. Ele pode pensar que copiou quando inventou; que exprimiu a si mesmo, quando se deformou; ou que se deformou, quando se confessou.
A afirmação que introduz esta postagem (de Antonio Candido, 2007) faz todo sentido para mim. Nem sempre temos consciência do quanto transparecemos quando escrevemos ficção, talvez porque criar histórias seja como uma terapia e, ao expressar nossas emoções, deixamos escapar até o que não queríamos confessar ou aquilo que nem sabíamos que sentíamos. Quem sabe o livro seja o retrato da alma de sua autora ou de seu autor?
Jurei que não havia tanto de mim em meu livro Não sou mais criança quanto os outros diziam. Um tempo depois, percebi que entreguei bem mais do que imaginei. E desde então tenho tentado produzir personagens distantes de mim, não por medo de me revelar e sim porque o mais divertido na criação literária é viver outras vidas, levar os personagens a lugares onde eu nunca iria.
Em relação ao livro, tenho um apego pela história e pela protagonista. Luísa não foi minha primeira personagem, mas foi a primeira que outras pessoas conheceram. E, embora pareça loucura, por vezes penso nela como se de fato existisse, como uma amiga de quem acompanho a vida. Porém, falando com sinceridade, se estivesse escrevendo o livro hoje, certamente o faria diferente, pois, como eu já disse antes, os textos literários estão em contínuo processo de aprimoramento.
Esse livro foi o início, representou o resgate da minha paixão pela escrita, mas eu simplesmente o escrevi e publiquei, sem qualquer conhecimento de técnicas ou qualquer análise crítica sobre a consistência da composição textual. Faltou-me paciência para deixar o texto descansar, trabalhá-lo e retrabalhá-lo até ganhar forma. Faltou-me maturidade. Só tempos depois da publicação reconheci que não aproveitei a liberdade de criação e a possibilidade de brincar com as palavras. Tinha uma preocupação exacerbada em seguir as regras gramaticas (e ainda tenho um pouco) e acabei me esquecendo que o principal é o efeito que o texto causa nos leitores.
Não estou aqui fazendo propaganda contra meu próprio livro. Pelo contrário, estou admitindo que vejo inúmeras possibilidades de aperfeiçoamento do texto — possibilidades estas que são evidentes hoje, mas não eram à época. E isso significa que amadureci de lá para cá. Também acredito que os pontos negativos que enxergo agora não invalidam a história e sua repercussão nos leitores que a conheceram.
E em mim. Minha afeição por Luísa é tão grande que resolvi não terminar sua história ali e a segui por mais alguns anos. Fiquei ao seu lado no ensino médio, acompanhei sua saída da adolescência e o início da vida adulta. Vi seu crescimento ano após ano e a alteração de sua forma de enxergar o mundo. Apenas quando percebi que ela já poderia caminhar de forma independente a deixei partir sem mim.
Fonte: CANDIDO, Antonio. A personagem do romance. In: CANDIDO, Antonio et al. A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 51-80.
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