Em poucos meses, eu havia fechado a porta na cara de todo meu ontem; deixara de ser uma simples costureirinha e me tornara, de maneira alternativa ou paralela, um monte de mulheres diferentes.
Dedico esta minha primeira resenha a Adriana, por ter me dado este lindo presente e me proporcionado a oportunidade de conhecer uma obra tão encantadora.
Li este livro em apenas quatro dias. Seu enredo é envolvente, e eu não consegui parar de ler até saber que destino Sira (ou Arish) teria. Também queria compará-lo com a série produzida pela Boomerang TV e lançada na Netflix pouco tempo antes.
O tempo entre costuras foi o primeiro romance de María Dueñas, professora universitária espanhola dedicada ao estudo da filologia inglesa. Em seguida, a autora publicou A melhor história está por vir, Destino: La Templanza e Las hijas del Capitán (sem tradução para o português, por enquanto), que já estão em minha lista de desejos.
Como podemos ler na “Nota da autora” ao final do livro, María Dueñas precisou fazer uma extensa pesquisa (bibliográfica e documental) para situar a narrativa de O tempo entre costuras no contexto da Guerra Civil Espanhola (1936-39) e da Segunda Guerra Mundial (1939-45), inclusive com a inclusão de personagens reais, como Rosalinda Fox.
O livro conta a história de Sira Quiroga, uma jovem costureira que mora apenas com a mãe em um bairro humilde de Madri, na década de 1930. É noiva de um rapaz simples, chamado Ignacio, e vive sem grandes perspectivas, sem imaginar outra forma de viver.
Tudo muda quando ela encontra Ramiro, um homem diferente do noivo, um homem que a faz descobrir seu poder de sedução e a leva a conhecer novos lugares e pessoas. Por impulso, com uma paixão descontrolada, Sira abandona o noivo e o país pouco antes do início da Guerra Civil Espanhola para se aventurar em Tânger, no Marrocos, ao lado do novo companheiro.
Lá o sonho de felicidade se esvai. Sira vive uma desilusão e uma perda e vai parar em Tetuán, a sede do protetorado espanhol no Marrocos. E é nesse momento, vendo-se abandonada, longe da mãe, fora de seu país, sem dinheiro, sem casa, com dívidas e ameaça de prisão, que Sira assume o protagonismo de sua história pela primeira vez e resgata seu maior talento — o ofício que herdou da mãe. Nessa recriação da própria vida, Sira transforma sua personalidade, sua forma se vestir e de se portar e se torna cada vez mais independente; também aprende aquilo que sua frágil educação não lhe permitiu aprender. Em pouco tempo, não se parece mais com a mulher indefesa que deixou Madri.
Nessa fase, a história tem como pano de fundo a Guerra Civil Espanhola, mas, estando fora da Espanha, Sira não vivencia a guerra diretamente, embora agora viva na capital do protetorado espanhol. Sira acompanha a guerra pela imprensa, pelo rádio ou por informações trazidas por sua amiga Rosalinda Fox, uma britânica da alta sociedade intimamente envolvida com a política espanhola e internacional.
Parte da própria Rosalinda e de seu amante, Juan Luís Beigbeder, a ideia de tornar Sira espiã do Serviço Secreto Britânico, já no início da Segunda Guerra Mundial, fazendo a costureira assumir uma nova identidade e retornar a Madri, onde se vê frequentando lugares com os quais apenas sonhava na infância e circulando com naturalidade entre pessoas com quem nunca imaginou se relacionar.
Impressiona a forma como a autora combinou ficção e fatos reais, fazendo do livro uma fonte de conhecimento sobre aquela época histórica. Chamam a atenção também as referências à costura que se veem aqui e ali, trazendo um ar poético à narrativa e mostrando a ligação da narradora-protagonista à arte aprendida, sem querer, ainda na infância.
Porém a história me emocionou particularmente pela capacidade de Sira de se reinventar diante das circunstâncias. Do início ao fim do romance, acompanhamos de perto o amadurecimento da jovem costureira e a vemos se transformar em outra pessoa para enfrentar as reviravoltas do destino. Isso faz pensar em como as experiências mais difíceis ou trágicas são as que possuem maior poder de nos mover de nossa comodidade e de nos impulsionar a mudar, desde que sigamos o exemplo de Sira (é claro) e tomemos o controle das mudanças, mesmo sem vontade ou sem noção alguma de como fazê-lo.
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